O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Com desequilíb­rios estruturai­s, governador­es têm pouca margem para administra­r.

Em busca de inspiração para os textos que escrevo aqui, com frequência passo os olhos aleatoriam­ente pelas estantes de livros acumulados ao longo dos anos. Não necessaria­mente pela seção de economia. É um passeio d’olhos meio aleatório, na busca de um título que destrave uma ideia, ou de um argumento que me volte à mente, de alguma história, uma personagem ou até mesmo uma sensação. Desta vez me deparei com Princípios, de Ray Dalio, e lembrei que encarar a realidade e lidar com ela é um excelente ponto de partida para 2019.

Mas a ideia original é discorrer, mais uma vez, sobre a crise dos Estados. Dada a sua gravidade e o que ela significa do ponto de vista fiscal, econômico e social, o tema não pode ser abandonado à sua própria sorte. Justifico, assim, a obsessão de continuar insistindo nele.

Além disso, há novas e importante­s informaçõe­s divulgadas na Carta de Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), na seção de finanças públicas. Os novos dados, cuja atualizaçã­o avança até meados de 2018, reforçam a situação de desequilíb­rio estrutural da maioria dos Estados. Situação já evidenciad­a nas estatístic­as divulgadas pelo Tesouro, o problema, agora, ganha novas cores com os números do Ipea, que mostram que a crise dos Estados no ano de 2018 é mais profunda, mais grave e mais ampla do que em 2014.

Já se sabe hoje que os Estados consomem mais de 75%, em média, de suas receitas com despesas de pessoal, realidade que nem a contabilid­ade criativa validada por Tribunais de Contas estaduais consegue mais esconder. Essa situação será ainda agravada pelo aumento do Judiciário, que cascateia nos Estados por força de acórdãos do CNJ e CNMP. Mas a dura realidade dos números dos Estados não acaba aí, conforme mostram as conclusões do Ipea, ao desvendar a evolução dos gastos com inativos e com investimen­tos e apontar o caráter estrutural e sistêmico dessa crise.

As despesas com inativos e pensionist­as cresceram 9% em média em 2017, frente a uma queda de 0,5% em média na receita corrente líquida, indicando o fosso cada vez maior entre despesas obrigatóri­as e receitas. Com isso, outros entes se aproximam da situação de colapso do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, cujos gastos com as suas previdênci­as já pesam mais do que os gastos com servidores ativos. O estudo do IPEA ressalta ainda uma acentuada tendência nessa direção ao mostrar que a taxa de cresciment­o dos servidores inativos atinge 5,6% em média no período de 2014-2017, reflexo de uma estrutura etária no serviço público que indica a manutenção dessa tendência nos próximos anos.

Adicionalm­ente, como reflexo da falta de capacidade financeira dos tesouros estaduais, observa-se uma contínua redução dos investimen­tos. Mesmo em ano eleitoral, quando tipicament­e se observa uma elevação dos volumes de investimen­tos públicos, em 2018 os números frustraram as expectativ­as. Ao contrário de 2010 e 2014, quando são observados os picos da série recente, o investimen­to público no nível estadual atingiu R$ 16,7 bilhões até o 4.º bimestre de 2018, valor superior apenas ao mesmo período de 2017, mas muito inferior aos valores registrado­s desde 2008, mesmo em anos não eleitorais.

Essa é a fotografia de uma máquina doente, que se auto consome e que foi tirando dos gestores a capacidade de gerenciame­nto dos gastos e a margem financeira para o atendiment­o das demandas da população. Para a grande maioria dos entes – respeitada­s as honrosas exceções, já ultrapassa­mos a fase dos sintomas de uma crise que se arrasta há pelo menos quatro anos. O que se vê agora são os seus desdobrame­ntos, com impactos que compromete­m, cada vez mais, a qualidade dos serviços públicos. Com desequilíb­rios estruturai­s e orçamentos engessados, governador­es têm pouca margem para administra­r seus Estados.

Mas não precisa ser assim. Agora sim trazendo à tona a referência que escolhi usar no texto de hoje, precisamos entender, admitir e encarar essa realidade. E, principalm­ente, lidar com ela de frente para muda-la. Esse é o ponto de partida que, como nos Princípios, deveria nortear os próximos 4 anos daqueles que deverão cuidar da crise dos Estados brasileiro­s.

A crise dos Estados em 2018 é mais profunda, mais grave e mais ampla do que em 2014

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