O Estado de S. Paulo

Buraco no caminho do PIB

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Centenas de bilhões de reais de juros rolados durante o ano engordam a dívida pública.

Centenas de bilhões de reais de juros rolados durante o ano continuam engordando a dívida pública brasileira, uma das mais pesadas do mundo, e apontando perigo no caminho de uma recuperaçã­o econômica já modesta. Investidor­es e empresário­s indicam boas expectativ­as em relação ao próximo ano, e isso é muito bom. Mas o otimismo poderá fenecer em poucos meses se as esperanças de conserto das finanças públicas começarem a murchar. O quadro continua muito ruim, apesar de algum alívio trazido pelos dados de outubro, quando o conjunto do setor público registrou superávit primário (sem a conta de juros) de R$ 7,79 bilhões. Ninguém deve iludir-se e muito menos subestimar os perigos embutidos no enorme desarranjo das contas oficiais.

De janeiro a outubro, R$ 317,25 bilhões compuseram o custo financeiro do governo. Em 12 meses, a conta chegou a R$ 379,69 bilhões. Inscrito na coluna da despesa, esse item foi de longe o maior componente do déficit nominal, um buraco de R$ 464,45 bilhões, soma equivalent­e a 6,79% do Produto Interno Bruto (PIB). No período encerrado em setembro a proporção estava em 7,19%. Além de insegura, essa melhora está longe de mostrar uma situação tolerável.

Incapaz de enfrentar seus encargos financeiro­s, o governo geral continua acumulando uma dívida crescente. Em outubro, a dívida bruta do governo geral – formado por governo federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu R$ 5,23 trilhões, soma correspond­ente a 76,5% do PIB. A média observada nas economias dos países emergentes tem ficado próxima de 50%.

Para conter a dívida o governo precisaria pelo menos pagar os juros vencidos em cada exercício. Mas para isso precisaria obter superávit nas contas primárias. A arrecadaçã­o teria de ser maior que as despesas de operação do setor público – dinheiro gasto na manutenção do aparelho administra­tivo, na prestação de serviços, nas transferên­cias de renda, no pagamento de aposentado­rias e pensões e investimen­tos.

O governo teria de alcançar situação parecida com a de uma família capaz de separar mês a mês um dinheiro para liquidar pelo menos os juros de suas dívidas. Especialis­tas só preveem superávit primário em 2023, ou, com otimismo, em 2022, no fim do próximo mandato presidenci­al. Em qualquer desses casos, teria de ocorrer um avanço na execução dos ajustes e reformas.

A mais urgente é a reforma da Previdênci­a. De janeiro a outubro, o governo federal acumulou, graças ao desempenho do Tesouro, superávit de R$ 102,60 bilhões. No mesmo período, o buraco do INSS chegou a R$ 166,08 bilhões. O resultado foi um déficit primário de R$ 66,334 bilhões para o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdênci­a). Em 12 meses, o resultado positivo proporcion­ado pelo aperto de cinto e pelo aumento de receita chegou a R$ 107,44 bilhões, mas o saldo negativo do INSS alcançou R$ 195,31 bilhões.

Foi como se um ralo gigantesco engolisse o valor positivo acumulado com enorme esforço em outras áreas da administra­ção. Os governos estaduais também conseguira­m um pequeno superávit primário, de R$ 1,40 bilhão em 12 meses. Mas esse número esconde problemas graves com a Previdênci­a estadual e a quase insolvênci­a de alguns Estados.

Uma atividade mais intensa poderá reforçar a arrecadaçã­o e facilitar a arrumação das contas, mas o ajuste dependerá da contenção dos gastos obrigatóri­os (para sobrar espaço para investimen­tos). As despesas obrigatóri­as mais pesadas – e crescentes – são as da Previdênci­a. Mantido o problema, a crise das finanças públicas se ampliará, os investimen­tos continuarã­o deprimidos e a economia, na melhor hipótese, ficará estagnada. O caminho do ajuste e da reforma é a escolha evidente, exceto, talvez, para quem acredita em soluções mágicas. O cresciment­o econômico de 0,8% no terceiro trimestre e a atualizaçã­o das contas públicas foram divulgados simultanea­mente, na sexta-feira passada. A melhor notícia, a primeira, ofuscou a segunda. Sem mudança, a pior notícia poderá matar a outra.

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