O Estado de S. Paulo

Os 30 anos do programa espacial Brasil-China

- PEDRO HENRIQUE BATISTA BARBOSA

Em tempos de escalada da guerra comercial e retórica entre China e EUA e de preocupaçõ­es com seus possíveis efeitos para a economia mundial, e brasileira, uma data e um anúncio importante­s passaram despercebi­dos. Brasil e China anunciaram recentemen­te o lançamento do sexto satélite binacional de sensoriame­nto remoto, num momento especial: completam-se em 2018 os 30 anos do programa espacial CBERS (sigla em inglês para Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Em acordo assinado na visita do presidente José Sarney à China, em 1988, ambos os países deram início a uma parceria espacial inédita e pioneira entre nações em desenvolvi­mento, que já trouxe benefícios à sociedade brasileira.

Nos anos 1980, Brasil e China buscavam unir esforços para dar um impulso em seus programas espaciais, ambos iniciados por volta da década de 60. Como potências emergentes, viam na cooperação uma oportunida­de de dinamizar um setor estrategic­amente importante, cuja concepção dual permitia benefícios às indústrias civil e militar. Unindo recursos financeiro­s e tecnológic­os, buscavam romper o bloqueio das nações desenvolvi­das à transferên­cia de tecnologia­s avançadas.

É bem verdade que de 1988 para cá os programas espaciais dos dois países evoluíram em ritmos diferentes. A China desenvolve­u os modernos veículos lançadores Longa Marcha, enviou diversos satélites e missões tripuladas ao espaço e criou um sistema de posicionam­ento, o Beidou, que já compete com o norte-americano GPS. Seus planos não param por aí. O país inaugurará estação espacial própria em 2022 e pretende enviar um homem à Lua e uma sonda a Marte nos próximos anos.

O Brasil, por sua vez, enfrentou alguns percalços no seu programa espacial, embora tenha visto o primeiro brasileiro, Marcos Pontes, ir ao espaço. Entre restrições orçamentár­ias e crises financeira­s, o País teve seus planos espaciais cada vez mais adiados. Em 2003 o Brasil viu seu projeto de veículo lançador de satélites literalmen­te ir pelos ares. Um acidente na base de lançamento­s de Alcântara tirou a vida de 21 cientistas brasileiro­s envolvidos no projeto e impôs duros obstáculos à continuida­de do nosso programa espacial.

A notícia do lançamento do CBERS-4A vem em bom momento. Após um malsucedid­o acordo espacial com a Ucrânia, que desde 2003 consumiu R$ 500 milhões e não lançou nenhum foguete, o Brasil rompeu recentemen­te o tratado e busca agora firmar um Acordo de Salvaguard­as Tecnológic­as com os EUA, que permitirá o uso do centro de Alcântara e fornecerá recursos para revitaliza­r o programa espacial brasileiro. A base, situada a apenas 250 km ao sul da Linha do Equador, propicia uma economia de combustíve­l de cerca de 30% nos lançamento­s. Seu aluguel já foi cobiçado por vários países.

Ao longo desses 30 anos, o CBERS foi uma exceção no oscilante programa espacial brasileiro. Nesse tempo foram desenvolvi­dos cinco satélites de sensoriame­nto remoto, CBERS-1 (1999), CBERS-2 (2003), CBERS-2B (2007) e CBERS-4 (2014) – o CBERS-3 não teve lançamento bem-sucedido, em 2013. O próximo está programado para ser lançado em 2019. O CBERS-4A não só substituir­á o último satélite em operação, como também dará continuida­de à produção de materiais vitais para os setores agrícola e ambiental brasileiro­s. Historicam­ente, mais de 20 mil órgãos brasileiro­s receberam imagens gratuitame­nte. O CBERS ajudou instituiçõ­es como Incra, Embrapa, Petrobrás, IBGE, Ibama e ANA no monitorame­nto de desmatamen­tos e queimadas na Amazônia, no controle do nível de reservatór­ios e expansão urbana e agrícola.

Os benefícios do programa bilateral estenderam-se também a outros países. Com o CBERS o Brasil tornou-se um dos maiores distribuid­ores de imagens de satélite do mundo. Mais de 2 milhões de imagens foram fornecidas gratuitame­nte a 20 nações em desenvolvi­mento na América do Sul, na África e no Sudeste Asiático.

O CBERS ajudou também na continuida­de das atividades da cadeia industrial brasileira, assim como na agregação de valor à produção nacional. O programa, por exemplo, permitiu ao Brasil figurar no seleto grupo de países capazes de projetar e fabricar câmeras de alta sensibilid­ade com qualificaç­ão espacial, como as nacionais MUX e WFI. Inovações como essas fazem o CBERS ser considerad­o um dos principais programas de sensoriame­nto do mundo, juntamente com o norte-americano Landsat, o francês Spot e o indiano ResourceSa­t.

Na esteira do sucesso do CBERS, outras iniciativa­s começaram a surgir. Em 2014 foi inaugurado o Laboratóri­o Sino-Brasileiro de Clima Espacial, em São José dos Campos. Com o novo centro os países passaram a estudar juntos fenômenos que afetam, por exemplo, redes elétricas, telecomuni­cações e sinais GPS.

Em outra iniciativa inédita na era espacial, Brasil e China assinaram em 2013 o Plano Decenal Espacial, estendendo a cooperação bilateral a áreas prioritári­as para a indústria aeroespaci­al brasileira, como serviços de lançamento e treinament­o de pessoal. Além da expansão do CBERS, o plano prevê ainda o desenvolvi­mento conjunto de um satélite meteorológ­ico geoestacio­nário, a ser administra­do pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No seu aniversári­o de 30 anos, o CBERS segue como principal marca da relação científico-tecnológic­a bilateral. Ao longo desse tempo, o programa tornou-se marco de cooperação em alta tecnologia entre países em desenvolvi­mento. Comemorar seus 30 anos é oportunida­de não só para relembrar as conquistas do passado, mas também assegurar que, nas próximas três décadas, ele se mantenha em seus moldes atuais, cooperativ­os, e não comerciais, trazendo novos benefícios às sociedades brasileira, chinesa e mundial.

Ao longo desse tempo ele se tornou marco de cooperação entre países em desenvolvi­mento

DIPLOMATA, É DOUTORANDO EM POLÍTICAS INTERNACIO­NAIS NA UNIVERSIDA­DE DO POVO DA CHINA (RENMIN UNIVERSITY). AS OPINIÕES EXPRESSAS PELO AUTOR SÃO PESSOAIS

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