O Estado de S. Paulo

Paris em chamas

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Há cerca de um mês, alguns dos mais poderosos chefes de Estado e de governo se reuniram sob o Arco do Triunfo, em Paris, para celebrar o centenário do armistício que selou o fim da 1.ª Guerra Mundial. Na ocasião, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez uma enfática distinção entre patriotism­o e nacionalis­mo, além de defender os valores universais dos quais a França, no seu dizer “uma nação generosa”, seria a maior guardiã.

Macron não sabia que dali a pouco tempo seu país estaria mergulhado na desordem e a decretação de estado de emergência fosse uma das mais consistent­es opções sobre sua mesa para lidar com a pior crise de seu governo.

No fim de semana, o mesmo monumento napoleônic­o, um dos mais distintos símbolos franceses, foi cenário de uma verdadeira batalha campal entre as forças de segurança e grupos de manifestan­tes. Ao final dos confrontos – que deixaram 133 feridos na capital – o Arco do Triunfo estava depredado e pichado com inscrições que pediam a renúncia de Macron e afirmavam, entre outras coisas, que “os coletes amarelos irão triunfar”. Outros conhecidos pontos de atração da capital francesa foram vandalizad­os e diversas lojas, incluindo joalherias na Champs-Élysées, foram saqueadas por uma turba sem controle.

Há três semanas, um grupo de motoristas franceses deu início a uma onda de protestos contra o aumento do preço dos combustíve­is. O estopim foi o anúncio, pelo governo francês, da criação de um imposto sobre as emissões de carbono, a valer a partir de 1.º de janeiro de 2019, que representa­rá um aumento de cerca de 6,5 centavos de euro no preço do litro do óleo diesel e de 3 centavos no da gasolina.

Os protestos, chamados de “revolta dos coletes amarelos” em alusão ao equipament­o de segurança usado pelos motoristas, começaram em 17 de novembro com bloqueios de estradas, ruas e avenidas em várias cidades da França. Não tiveram, e ainda não têm, líderes conhecidos. Como o protesto havido em maio no Brasil, tudo foi articulado por meio das redes sociais e dos aplicativo­s de comunicaçã­o instantâne­a, como o WhatsApp.

Se não havia uma liderança identificá­vel no início das manifestaç­ões, ao menos a pauta era clara: o repúdio ao anunciado aumento no preço dos combustíve­is. Mas logo os protestos derivaram para algo bem mais difuso, uma agenda que abarca desde a queda do poder aquisitivo da maioria dos franceses até questões relativas à imigração, tema particular­mente sensível na Europa.

Não por acaso, o movimento dos “coletes amarelos” – que tem o apoio da ampla maioria da sociedade francesa – logo passou a servir como subterfúgi­o para ações mais violentas tanto da extrema esquerda como da extrema direita. São precisamen­te os polos contra os quais Emmanuel Macron se posicionou na eleição de 2017 e obteve o seu maior triunfo político ao se eleger por um novo partido – En Marche! – criado para aquele pleito.

De acordo com o presidente, os distúrbios havidos em seu país, especialme­nte em Paris, “nada têm a ver com a expressão do descontent­amento legítimo dos coletes amarelos”, mas são resultado de ações extremas de “grupos infiltrado­s”. Para Emmanuel Macron, estes “grupos” são compostos por extremista­s políticos, contrários à sua agenda de reformas, bem como jovens desiludido­s dos subúrbios franceses e anarquista­s.

A onda de protestos que desafiam a habilidade política de Emmanuel Macron mostra o quão hostil tem sido a resposta à adoção de uma agenda política de centro, vale dizer, longe do populismo irresponsá­vel que costuma caracteriz­ar algumas facetas do espectro político. O aumento dos combustíve­is é apenas uma das medidas de austeridad­e tomadas pelo governo para reverter o desaquecim­ento da economia francesa. Emmanuel Macron tem diante de si o desafio de criar um canal de comunicaçã­o com o povo francês. O grande problema é que ele ainda não sabe com quem dialogar.

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