O Estado de S. Paulo

A revolta dos coletes amarelos é desafio para Macron.

Desorganiz­ação, falta de objetivos comuns e divisões internas tornam impossível negociar com o movimento © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

- / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Paris é uma cidade habituada a manifestaç­ões de rua teatrais e periodicam­ente violentas. Mas, as cenas dos distúrbios desta semana não eram vistas há mais de uma década. O presidente Emmanuel Macron retornou ao país da reunião do G-20, na Argentina, para enfrentar a primeira crise política de fato da sua presidênci­a.

O problema mais imediato é a segurança. No sábado, 412 pessoas foram presas em Paris. Houve 249 casos registrado­s de incêndios provocados, muitos em áreas elegantes da cidade, como a Avenida Kleber, e outras artérias que levam à Place de l’Étoile, onde está o Arco do Triunfo.

Imagens de carros incendiado­s em locais emblemátic­os foram mostradas pelos canais de notícias durante todo o fim de semana. Desde que os coletes amarelos iniciaram seus protestos, o número de manifestan­tes diminuiu, de 280 mil para 136 mil, neste fim de semana. Mas, apesar da queda, a violência se intensific­ou. O perfil dos manifestan­tes é variado. Alguns são os chamados “casseurs” (arruaceiro­s), de extrema direita e extrema esquerda. Os coletes amarelos que tomaram conta de rotatórias e entroncame­ntos nas estradas por toda a França são pessoas pacíficas. No entanto, há também uma linha indefinida entre grupos organizado­s de anarquista­s e neofascist­as.

Com um quarto dia de protestos planejado o próximo sábado, o porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, falou da possibilid­ade de impor um estado de emergência. A França já recorreu a esse tipo de medida antes, especialme­nte após os atentados terrorista­s de 2015, e depois dos tumultos em áreas urbanas em 2005.

Macron, porém, pediu ao governo para analisar outras maneiras de manter a capital e outras cidades em segurança. Uma das dificuldad­es da força policial é o caráter dos protestos, totalmente não estruturad­os e sem liderança definida. A polícia está mais habituada a lidar com motins e com manifestaç­ões comandadas por sindicatos, cujos organizado­res ajudam a planejar a maneira de controlar as multidões.

Movimento difuso. O movimento dos coletes amarelos teve início como um protesto contra o aumento dos impostos sobre o combustíve­l. Os manifestan­tes eram pessoas com renda modesta, que viviam em zonas rurais ou suburbanas distantes e precisavam percorrer longas distâncias. Mas, depois os protestos se ampliaram, cobrindo outras queixas como o alto custo de vida, os cortes de impostos para os abastados e a percepção de que o presidente não se preocupa com o cidadão comum. Trata-se de um protesto de uma classe média que vive uma situação de aperto.

A grande dificuldad­e para o presidente é que ele pretende ser um líder que não cede ao clamor das ruas, como muitos dos seus predecesso­res. E, de fato, durante este curto período no cargo, Macron enfrentou ondas sucessivas de protestos liderados por sindicatos contra reformas que, lentamente, vêm ajudando o país a ser mais competitiv­o. E ele não pretende renunciar ou dissolver a Assembleia Nacional, como alguns manifestan­tes estão exigindo. Mas ele também não pode se dar ao luxo de se mostrar indiferent­e.

Os franceses estão desconcert­ados e não conseguem comparar o atual movimento com outros anteriores para compreende­r o seu caráter. O país presenciou no passado protestos em massa, mas tinham caráter mais regional. E costumavam ser organizado­s por sindicatos estabeleci­dos. Alguns analistas comparam este movimento com os protestos de Maio de 1968, ou com o “pujadisme” (ou pujadismo, evocando Pierre Poujade), movimento político e sindical dos anos 50. Outros ainda citam a revolução de 1789 ou a revolta dos camponeses em 1358.

Talvez os coletes amarelos sejam a expressão de uma forma de populismo possibilit­ada pela comunicaçã­o digital, que permite uma conexão não contaminad­a com as pessoas. O movimento surgiu por meio do Facebook e e se qualificou como a expressão espontânea do “povo”. O que torna difícil para o governo lidar com ele.

Tentativas para nomear porta-vozes foram prejudicad­as pela desorganiz­ação, falta de objetivos comuns e as divisões internas. Além disso, líderes populistas do país, como Jean-Luc Mélenchon, da extrema esquerda, e Marine Le Pen, da direita nacionalis­ta, não conseguem tirar vantagem do movimento. Estão se tornando parte do establishm­ent rejeitado.

Com base na Quinta República, o poder constituci­onal do presidente francês o torna líder do país e, ao mesmo tempo, o foco de esperanças infladas, da ira e da decepção. Macron fez uma campanha, em 2017, se apresentan­do como um político insurgente contra os partidos estabeleci­dos. Agora, é visado pela rebelião. A maneira como ele vai lidar com esta crise pode muito bem determinar o futuro de sua presidênci­a.

A polícia está mais habituada a lidar com motins e protestos comandados por sindicatos, com líderes que colaboram

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