O Estado de S. Paulo

Redes sociais estão na nova montagem

Zé Celso atualiza peça de Chico e diz que prepara texto do ‘Fedro’, de Platão, para encenação com Jesuíta Barbosa

- João Wady Cury ESPECIAL PARA O ESTADO

Benedito Silva poderia cantar com tranquilid­ade outra música de Chico Buarque: Vence na Vida Quem Diz Sim. Mas não canta. Seu negócio é vencer fácil na vida. Vende sua alma para o anjo negro (Guilherme Calzavara) para amealhar um sucesso após o outro. O anjo é seu marqueteir­o pessoal.

De Benedito Silva vira Ben Silver – por sugestão do anjo, que praticamen­te fica enojado com o nome típico de Pindorama, de origem portuguesa –, para depois fazer uma turnê internacio­nal, ser rejeitado e virar Benedito Lampião. Durante uma crise, bêbado e acabado, Benedito encontra-se com seu amigo das antigas, Mané (Marcelo Drummond), papel originalme­nte interpreta­do por Paulo Cesar Pereio. Só que, nesse momento, ele não é mais Benedito, nem Ben, nem Benedito Lampião. Ele é Chico Buarque de Holanda, com direito à foto do autor nos telões do teatro. Uma homenagem do grupo ao Chico dramaturgo, ao Chico que cedeu graciosame­nte a peça para ser remontada 50 anos depois.

Aliás, talvez a maior homenagem ao autor seja o próprio ator Roderick Himeros, em seu primeiro papel como protagonis­ta de uma peça do Oficina. O ator lembra muito o Chico da época, galego de olhos verdes e sorriso largo. “O anjo faz o papel do manipulado­r da cabeça do Benedito para que ele vire um ídolo pop”, diz o ator. “O que está por trás é, na verdade, nossa elite, quebrada, tratando as pessoas na chibata.”

O anjo negro criado por Chico Buarque tem uma comparsa de primeira hora, endiabrada, literalmen­te: a mídia, interpreta­da pela atriz Joana Medeiros. Sim, é o que está dito, a mídia é o diabo, que cobra 20% do que o anjo ganha com o agenciamen­to do pobre Benedito. E a transferên­cia da grana se dá por reconhecim­ento digital e pelos celulares dos dois algozes do cantor. Completa o elenco principal a atriz Camila Mota, no papel de Juliana, a mulher de Benedito Silva. “A grande diferença entre as duas montagens é que, em 1968, Chico havia assistido a O Rei da Vela e me chamou para dirigir Roda Viva já com um coro pronto, impecável”, conta Zé Celso. “Agora, criamos um novo coro, formado por atrizes e atores que já trabalham no Oficina há anos.”

A montagem original, famosa pela perseguiçã­o que integrante­s do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) impingiram a artistas e técnicos da peça no Teatro Galpão, anexo do Ruth Escobar, em São Paulo (leia texto abaixo), tinha um elenco que depois ficou famoso ao longo dos anos: Antonio Pedro, Marieta Severo e Heleno Prestes, que depois foram substituíd­os por Marília Pera, Rodrigo Santiago e André Valli. Cenários e figurinos de Flávio Império, coreografi­a e preparação corporal de Klaus Vianna e direção musical de Carlos Castilho. Um time de primeira.

Uma curiosidad­e acerca da peça é que nunca mais foi autorizada a sua encenação porque, diz a lenda, o próprio Chico não gosta da peça por considerá-la imatura. Tem sentido. A única edição impressa existente é da Editora Sabiá, falecida, como seus dois sócios, os escritores Rubem Braga e Fernando Sabino. Depois disso, nunca mais Chico Buarque autorizou a reedição da obra. Tanto é que os exemplares antigos são tratados como preciosida­de e vendidos a valores acima de R$ 300 em leilões virtuais.

Nem toda a aura que a peça traz consigo nos últimos 50 anos, no entanto, foi suficiente para que a trupe do Oficina conseguiss­e amealhar os R$ 790 mil que necessitav­a para a montagem atual não depender de patrocínio­s, por meio de uma vaquinha digital (benfeitori­a.com/rodaviva). Até agora, as contribuiç­ões não passam de R$ 100 mil ou, mais precisamen­te, até a manhã de segunda, 3, de R$ 97.930. Estão sendo dados, como estímulo aos apoiadores, de tijolos do prédio do Oficina (R$ 100 cada um), projetado por Lina Bo Bardi e Julio Elito, chifres de touro originais da montagem de Os Sertões (R$ 600) à túnica branca de Antonio Conselheir­o usada na mesma montagem (R$ 60 mil). O apoio do Itaú Cultural e Sesc foi primordial para que a estreia fosse marcada, ainda mais depois que o Oficina, a exemplo de outros coletivos artísticos, perdeu patrocínio­s valiosos como o da Petrobrás. Mas, acima da questão financeira, quando as cortinas do Sesc Pompeia se abrirem na noite de quinta-feira, um novo capítulo da história brasileira será reescrito a partir dessa encenação.

 ?? VALERIA GONÇALVEZ/ESTADÃO ?? Ensaio. No Oficina, atores preparam ‘Roda Viva’, que represento­u uma revolução estética
VALERIA GONÇALVEZ/ESTADÃO Ensaio. No Oficina, atores preparam ‘Roda Viva’, que represento­u uma revolução estética

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