O Estado de S. Paulo

William Waack

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Um choque da política como ela é aguarda, em Brasília, jovens deputados recém-eleitos.

Alguns deputados federais recém-eleitos vão para o banco de uma escolinha de política antes de assumirem as cadeiras em Brasília. Conversei informalme­nte nesta semana numa reunião com quatro desses jovens representa­ntes do povo, que tiveram boa votação por partidos diferentes como PSB, PDT e Novo em Pernambuco, Rio, Minas e São Paulo. Esses quatro novatos na Câmara (João Campos, Tabata Amaral, Paulo Gamine e Tiago Mitraud) pareciam desenvolto­s, seguros, articulado­s e bem falantes – e com claras diferenças políticas entre si.

Em comum, dizem que vão votar pela própria consciênci­a. “Sem caciques?”, veio a pergunta. “Sem caciques”, respondera­m. “Política como era”, adiantou um deles, “não vai mais ter”. É exatamente o que Jair Bolsonaro disse na terça-feira, no primeiro encontro do presidente eleito com uma bancada partidária, a do MDB. Na saída, o líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), disse que seu partido (a expressão consumada da velha política) não vai pedir cargos no novo governo. Todo mundo fingiu que acreditou.

Está decretado o fim do toma lá, dá cá, do presidenci­alismo de coalizão? Um presidente popular, cavalgando uma onda fortíssima de transforma­ção política, vai conseguir governar sem ter de distribuir cargos, favores, ministério­s “porta fechada” a políticos em troca de votos no Congresso? Acho dificílimo beirando o improvável. Por mais que se reconheça o impacto do voto de outubro, o sistema de governo está montado assim.

A renovação da Câmara para 2019 está um pouco acima dos padrões habituais, mas o que interessa sobretudo é a qualidade da renovação – e aqui há tanto boas surpresas quanto muito a desejar. Caciques apanharam, legendas tradiciona­is foram surradas, mas, paradoxalm­ente, o novo governo vai sentir falta de operadores capazes de fazer as coisas funcionare­m. Afinal, não estamos falando de um ajuntament­o de políticos reunidos como se fossem participan­tes de uma assembleia que só vota sim ou não. O Legislativ­o é uma instituiçã­o não só com muitos poderes, mas também com um acentuado espírito de corpo. Não é à toa que mesmo os recém-eleitos já falam da escolha de um presidente da Casa que não seja “pau-mandado do governo”.

O “fator Lava Jato” (leia-se Sérgio Moro) funcionará como sinal amarelo/vermelho para balizar o comportame­nto de parlamenta­res, mas o decisivo será entender que o Congresso continuará funcionand­o nas comissões técnicas e nas mesas diretoras através de partidos. As tais bancadas supraparti­dárias são um ponto de partida, mas não têm a mesma consistênc­ia, organizaçã­o e comando para dar segurança a quem precisa contar com um grande número de votos em matérias complexas. E nesse ponto é que se aguarda, respiração em suspenso, quais lideranças parlamenta­res surgirão, e como o governo vai lidar com elas.

Os quatro recém-eleitos acima descrevem felizes o fato de não terem dependido de cabos políticos tradiciona­is, como prefeitos e vereadores – portanto, estão “livres” para votar como quiserem. Mas não é assim com a imensa maioria de Vossas Excelência­s, que precisam da famosa emenda parlamenta­r para sustentar a base eleitoral.

Em parte, o governo é refém da promessa de acabar de um golpe só com o fisiologis­mo. Na ausência de uma profunda e ampla reforma política é temerário acreditar que isso aconteça por súbita “conversão” dos parlamenta­res (ou pela pressão articulada através de redes sociais). A política tal como ela é, com seus compromiss­os, negociaçõe­s, troca de favores e influência­s – nada disso precisa ser imoral ou ilícito –, é a verdadeira escolinha que aguarda os recém-eleitos.

Um choque da política como ela é aguarda os recém-eleitos

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