O Estado de S. Paulo

TCU suspende contrato de R$ 220 mi da Saúde

Administra­ção. Investigaç­ão foca funcionári­o que deixou a paranaense Tecpar para assumir cargo no governo federal e voltou à empresa neste ano, após negociar compra de remédio para câncer do laboratóri­o; no retorno, foi promovido. Ele nega conflito de int

- Lígia Formenti Fabio Serapião / BRASÍLIA

Uma compra de R$ 220 milhões feita pelo Ministério da Saúde, que contou com a participaç­ão de um funcionári­o cedido pela empresa ganhadora do contrato, está sob investigaç­ão do Tribunal de Contas da União (TCU). Rodrigo Silvestre, que deixou o cargo de assessor no laboratóri­o paranaense Tecpar em 2016 para assumir um cargo na Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégic­os, voltou à empresa neste ano, depois de atuar na negociação. Na volta, foi promovido a diretor industrial.

A contrataçã­o, firmada em 2017, tinha como objetivo o fornecimen­to do trastuzuma­be ao Sistema Único de Saúde (SUS). O medicament­o é usado no tratamento para câncer de mama. O TCU, porém, determinou a suspensão da parceria com o laboratóri­o, que é vinculado ao governo do Paraná, por suspeita de irregulari­dades e sobrepreço.

Em decisão provisória no mês passado, o tribunal solicita que o Ministério da Saúde retenha 27,39% das despesas com a aquisição do medicament­o, tanto já desembolsa­das quanto programada­s. O porcentual equivale à diferença entre o valor estabeleci­do pelo laboratóri­o paranaense e o preço de mercado.

Segundo a análise da Corte de contas, o frasco-ampola do medicament­o na parceria custou R$ 1.293,10, enquanto o Ministério da Saúde fez compras recentes da mesma droga por R$ 938,94. Atualmente, 7.813 pacientes estão em tratamento com a droga, segundo o Ministério da Saúde.

Os documentos mostram que Silvestre atuou na contrataçã­o, que se deu por meio de parceira de desenvolvi­mento produtivo (PDP). Como diretor do departamen­to no Complexo de Inovação em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégic­os, Silvestre participou do processo de reorganiza­ção de projetos para a produção no País de anticorpos monoclonai­s, usados no tratamento de diversos tumores.

Nesse rearranjo, o laboratóri­o paranaense ficou encarregad­o de abastecer 40% da demanda do SUS. Biomanguin­hos, que é vinculado à pasta, ficou responsáve­l pela produção de outros 40% e o Instituto Butantã, ligado ao governo de São Paulo, pelos 20% restantes.

A análise do TCU sobre um eventual favorecime­nto à Tecpar teve início em julho. Entre os pontos investigad­os está o de que a parceria com o laboratóri­o paranaense foi feita sem o aval necessário de órgãos colegiados e em desacordo com a Consultori­a Jurídica do Ministério da Saúde.

Documentos mostram a participaç­ão ativa de Silvestre na negociação. Em um memorando, descreve-se o novo formato das PDPs de anticorpos monoclonai­s. Em uma nota técnica, de fevereiro deste ano, atestase o cumpriment­o de todos os requisitos da PDP, dando sinal verde para o início de uma nova fase da produção. Neste documento, o preço do produto também é citado.

Procurado pelo Estado, Silvestre descartou conflito de interesse ou favorecime­nto ao laboratóri­o que agora dirige. Ele afirma que as notas técnicas que assinou durante o processo não envolviam tomada de decisões, mas apenas envio de informaçõe­s. “Era uma manifestaç­ão técnica”, afirmou. De acordo com o diretor da Tecpar, a tomada de decisões era atribuição apenas de secretário­s e do próprio ministro da Saúde, cargo exercido na época pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR).

Silvestre diz não ter filiação política e não ser o primeiro funcionári­o de laboratóri­o público a atuar no ministério e depois retornar para o posto de origem. “A nomeação de um diretor é um rito administra­tivo público. Meu nome foi indicado, passou por Casa Civil e órgãos de inteligênc­ia. Todas essas questões foram verificada­s. Em nenhum momento, eu interrompi meu vínculo como servidor. Estava cedido formalment­e, renovado anualmente por documento público.”

Empresa. Em nota, a Tecpar afirmou que já respondeu os questionam­entos do tribunal nos autos do processo. O Ministério da Saúde, por sua vez, informou cumprir o acórdão do TCU e destacou ter suspendido o processo.

A pasta acrescento­u que Silvestre pertenceu aos quadros do órgão em um momento em que a parceria não estava em fase de compra dos produtos. “Portanto, ele não realizou o monitorame­nto de etapas e preços”, disse. Para o Ministério da Saúde, não houve conflito de interesse na sua atuação.

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INSTITUTO DE TECNOLOGIA DO PARANÁ A Tecpar. TCU pediu a retenção de 27,39% das despesas com a aquisição do medicament­o, o equivalent­e à diferença entre o valor cobrado e o de mercado

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