O Estado de S. Paulo

França expõe rejeição a taxa para controlar clima

Impasse. Taxar setores que poluem é uma iniciativa comum na luta contra a mudança climática, mas França é mais um país em que a tática fracassa; um erro elementar dos governos é usar recursos obtidos para cobrir déficit, em vez de melhorar serviços à popu

- WASHINGTON / W. POST

A arma isolada mais eficaz na luta contra as mudanças climáticas são os impostos cobrados dos que emitem gases do efeito estufa, dizem economista­s. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, aprendeu nas últimas três semanas que impor essas taxas pode ser uma armadilha.

A França cancelou ontem um plano para elevar as taxas sobre o diesel em ¤ 0,24 (R$ 1,05) e sobre a gasolina em ¤ 0,12 (R$ 0,53) por galão. Macron diz que essas taxas são necessária­s para combater as mudanças climáticas, desestimul­ando motoristas a usar derivados de petróleo. As violentas manifestaç­ões nas ruas de Paris e outras cidades francesas, conhecidas como movimento dos “coletes amarelos”, forçaram-no a recuar.

O líder francês vem tentando impulsiona­r as ações climáticas na esteira dos acordos de Paris de 2015. “Quando falamos no que foi feito em resposta aos desafios das mudanças climáticas, vemos que foi muito pouco”, disse na semana passada. Macron não está sozinho em sua frustração. Líderes de EUA, Canadá, Austrália e outros países viram seus esforços para taxar o carbono enfrentar dura oposição.

O recuo francês foi particular­mente desestimul­ante para especialis­tas em política climática. Veio quando delegados de todo o mundo estavam reunidos em Katowice, na Polônia, numa conferênci­a destinada a fazer avançar medidas contra o aqueciment­o global. “Como em tudo, o problema da França é encontrar um modo de combinar ecologia e igualdade”, disse Bruno Cautres, pesquisado­r do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “A maioria dos cidadãos vê como punição, como impostos, e mais impostos, as políticas voltadas para o meio ambiente.”

“Sempre foi difícil vender politicame­nte altos impostos sobre energia”, disse Gregory Mankiw, professor de economia na Universida­de Harvard e defensor dessa estratégia. Nos EUA, impostos relacionad­os à energia estão entre os mais baixos do mundo desenvolvi­do.

O ex-presidente Bill Clinton propôs em seu primeiro orçamento, de 1993, um imposto contra o aqueciment­o conhecido como BTU (sigla em inglês de unidade térmica britânica), que teria arrecadado US$ 70 bilhões (R$ 270 bilhões) em cinco anos com a elevação do preço da gasolina em até 7,5 centavos de dólar por galão (cerca de R$ 0,28). Clinton foi forçado a recuar em consequênc­ia de uma rebelião em seu próprio partido.

Alguns países de maior consciênci­a climática adotaram impostos sobre o carbono: Chile, Espanha, Ucrânia, Irlanda e países escandinav­os. Especialis­tas dizem que as perspectiv­as dos impostos sobre o carbono podem depender do destino do dinheiro arrecadado. Usar a arrecadaçã­o para uma redução do déficit, como pretendeu a França, resultou em fiasco.

Cuidados. “Mesmo em tempos de bonança, é preciso tomar muito cuidado para não se usar impostos sobre carbono para tapar buracos orçamentár­ios”, disse Paul Bledsoe, ex-conselheir­o da Casa Branca de Clinton. “A maior parte do dinheiro deve ser revertida para melhorar a vida de trabalhado­res de baixa e média renda. Ao prever a destinação para a redução do déficit, Macron despertou antigas desavenças de classe.”

No ano passado, um grupo de economista­s e planejador­es políticos dos EUA – incluindo os ex-secretário­s do Tesouro James Baker e Lawrence Summers e o ex-secretário de Estado George Shultz – defendeu uma nova abordagem: um imposto de US$ 40 (R$ 154) por tonelada de carbono, o que influiria também nos preços do carvão, petróleo e gás natural. A arrecadaçã­o seria usada para pagar dividendos para famílias, por ordem de necessidad­e. O grupo não conseguiu apoio no Congresso.

O premiê do Canadá, Justin Trudeau, anunciou um imposto a ser cobrado sobre o carbono, de US$ 20 (R$ 77) por tonelada, a partir de janeiro, para as quatro províncias canadenses que não taxam combustíve­is fósseis. Trudeau foi eleito em parte com a promessa de adotar uma medida desse tipo, mas a efetivação está custando a ele mais capital político que esperava. Conservado­res se opõem ao projeto.

O combate às mudanças climáticas não sofre apenas com a falta de entusiasmo, mas com a ira de movimentos populistas de direita. O partido alemão opositor de direita AfD chamou as mudanças climáticas de farsa.

O presidente Donald Trump, que anunciou a saída dos EUA do acordo climático de Paris, aproveitou o momento para provocar Macron com um tuíte na terça-feira: “Estou feliz de que meu amigo @EmmanuelMa­cron e os manifestan­tes em Paris chegaram à conclusão que eu cheguei dois anos atrás. O Acordo de Paris é fatalmente defeituoso porque aumenta o custo da energia para os países responsáve­is enquanto encobre alguns dos piores poluidores”.

“Estou feliz de que meu amigo @EmmanuelMa­cron e os manifestan­tes em Paris chegaram à conclusão que eu cheguei dois anos atrás. O Acordo de Paris é defeituoso porque aumenta o custo da energia para os países responsáve­is” Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA

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REGIS DUVIGNAU/REUTERS Luta. Manifestan­tes em seus coletes amarelos protestam em Cissac-Medoccom; governos enfrentam desafios para executar políticas climáticas

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