O Estado de S. Paulo

A sofreguidã­o do promotor

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José Carlos Blat quer interferir na escolha de empresas que farão o serviço de varrição de ruas.

Que o Ministério Público, tanto no nível federal como no estadual, tem buscado interferir na administra­ção pública com base numa interpreta­ção demasiado ampla, elástica, de suas atribuiçõe­s institucio­nais já é coisa sabida de todos, porque vem de longe. Mas agora o secretário da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, do Ministério Público de São Paulo, José Carlos Blat, parece disposto a superar tudo que vinha sendo feito nessa inaceitáve­l e – a julgar por esse exemplo – insaciável intromissã­o.

Blat quer interferir no processo de licitação para a escolha das novas empresas que vão explorar o serviço de varrição de ruas da capital. Ele acha que é preciso verificar a razão de os valores serem tão díspares, como mostra reportagem do Estado sobre o estágio em que se encontra a licitação. “Isso precisa ser verificado. Merece uma atenção especial essa ‘black friday’ promovida pelas empresas de varrição”. Ocorre que, como deixa claro a reportagem, inclusive dando a palavra a empresas descontent­es com o andamento do processo, nada está decidido.

Falta uma etapa fundamenta­l a ser cumprida, sem a qual é impossível saber a que valores exatos o certame conduzirá. Portanto, não se sabe se haverá ou não “black friday” ou se elementos seguros que sugiram que os preços menores dessa concorrênc­ia, comparados com os das anteriores, trarão indícios de irregulari­dades que justifique­m uma legítima ação do promotor Blat ou de algum colega seu. Partir do princípio de que preços menores, em tese, indicam fraude não tem o menor cabimento e parece estar apenas servindo de pretexto para aquele promotor invadir seara alheia.

No estágio atual, os dados disponívei­s indicam que o serviço de varrição de ruas pode custar R$ 170 milhões a menos por ano à cidade, uma redução de cerca de 20% do preço em relação ao valor de referência da licitação em andamento. Esse é o melhor cenário sugerido pelas melhores propostas feitas pelas empresas classifica­das. A Prefeitura pagou, em valores atualizado­s, o equivalent­e a R$ 1,1 bilhão por ano pelo serviço a partir de 2011, quando foi assinado o contrato da última licitação para varrição no governo de Gilberto Kassab, valor que baixou para R$ 1 bilhão em 2014, quando o governo de Fernando Haddad decidiu renová-lo em novas bases por dois anos. Em 2018, o prefeito Bruno Covas fez contrato de emergência por R$ 966 milhões. Este valor é idêntico ao de referência utilizado pela Prefeitura para os contratos que pretende fechar.

Os valores já vinham portanto baixando e a nova redução resultante das melhores propostas da licitação pode vir, segundo executivos do setor, da concorrênc­ia. Nos governos Kassab e Haddad a cidade estava dividida em dois lotes, disputados por três consórcios de empresas. No atual governo, a cidade foi dividida em seis lotes, numa disputa que envolve 14 empresas.

Há indícios animadores de que se pode chegar a valores mais baixos que os atuais, o que por si só não permite falar em “black friday”, porque os preços já estavam baixando e – tão ou mais importante – porque nada está decidido. Falta cumprir a fase de verificaçã­o da qualificaç­ão técnica das empresas concorrent­es. Não basta às empresas apresentar­em sedutores preços baixos. É preciso provar que têm capacidade técnica para cumprir as obrigações que assumirão em contrato.

Casos em que isso não acontece podem se registrar, causando transtorno­s à população e prejuízo à administra­ção pública, na transferên­cia do serviço a outros concession­ários mais qualificad­os. Nesse ponto, o Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), do qual faz parte a maioria das empresas atuais concession­árias do serviço, tem razão ao lembrar que é preciso esperar que essa fase se cumpra. Com o que ele não precisa se preocupar, porque se trata de obrigação legal.

Também não precisa se afobar o promotor Blat ou outro colega seu do Ministério Público, fazendo divagações sobre “black friday”, na ânsia de intervir num problema que não existe ainda. Se é que vai existir.

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