O Estado de S. Paulo

Um ‘radical moderado’

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Pela primeira vez em quase 90 anos, um político que não faz parte do Partido Revolucion­ário Institucio­nal (PRI) ou do Partido da Ação Nacional (PAN) foi eleito presidente do México. No sábado passado, Andrés Manuel López Obrador prestou juramento perante o Congresso mexicano e assumiu o cargo com a promessa de “transforma­r” a política de seu país. “Por vontade do povo, iniciamos hoje a quarta transforma­ção política do México. Pode parecer pretensios­o ou exagerado, mas hoje não se inicia apenas um governo, hoje começa uma mudança de regime político”, disse o presidente em seu discurso de posse.

De fato, a declaração soa pretensios­a. Não apenas porque nada indica que haverá uma “mudança de regime político” no México, que continuará sendo a república democrátic­a que é, mas também porque declaraçõe­s grandiloqu­entes, em geral, costumam ceder à realidade da vida política diária. No entanto, não se deve diminuir o animus transforma­dor do povo mexicano simbolizad­o pela vitória de um político como López Obrador, que sucede a Enrique Peña Nieto (PRI).

Após décadas de revezament­o entre políticos do PRI e do PAN em Los Pinos, residência oficial dos presidente­s mexicanos, o esquerdist­a López Obrador foi eleito em julho, com 53% dos votos, pelo Movimento Regeneraçã­o Nacional (Morena), criado por ele em 2011, mas registrado como partido político três anos depois. O maior êxito eleitoral de Obrador até então havia sido a eleição para a prefeitura da Cidade do México, em 2000. Ele renunciou ao cargo em 2005 para concorrer à eleição presidenci­al de 2006 e perdeu. Candidatou-se outra vez em 2012 e, novamente, não foi eleito.

O triunfo eleitoral de López Obrador em 2018 teve correspond­ência na escolha popular para a composição do Congresso. O presidente governará com uma coalizão política – chamada “Juntos Faremos História” – formada, além do Morena, pelo Partido do Trabalho (PT) e pelo Partido do Encontro Social (PES). Isso lhe dará uma confortáve­l maioria congressua­l composta por 308 deputados (de um total de 500) e 69 senadores (de 128), algo inédito há pelo menos 25 anos. “As pessoas deram um mandato ao Congresso na mesma linha do presidente da República. O povo votou, disse o que quer e vamos seguir nessa direção”, afirmou Tatiana Clouthier, deputada eleita pelo Morena e uma das mais próximas interlocut­oras do presidente.

López Obrador foi membro do PRI – que governou o país de 1929 a 2000 – por muitos anos. A partir de meados da década de 1980, passou a adotar posições à esquerda do partido e se tornou um dos maiores críticos das posições liberais e da corrupção que, em sua visão, marcavam a atuação da legenda na política mexicana. Passou a ser conhecido por suas posições radicais e populistas. Na campanha deste ano, seus opositores o acusaram de pretender transforma­r o México em “nova Venezuela”.

Ante os enormes desafios que tem pela frente, sobretudo na economia, desaquecid­a, e na segurança pública, Obrador terá de moderar o discurso e sopesar as ações. Ele tem mostrado comediment­o, haja vista sua conduta após a eleição, menos inflamada do que a que adotou durante a campanha.

Obrador abriu um canal de diálogo com o presidente Donald Trump, que arrefeceu a agressivid­ade em relação ao México e aos mexicanos. Em gesto de simpatia, Trump enviou sua filha, Ivanka, para representá-lo na posse de Obrador. Ela acompanhou o vicepresid­ente Mike Pence.

É vital para o México a manutenção das boas relações com os Estados Unidos, que também ganham muito com a boa vizinhança. Negociaçõe­s entre os dois países a fim de distender as hostilidad­es econômicas e geopolític­as, em especial em relação à nova versão do Nafta e à imigração, vão na direção de uma conclusão positiva.

Mas todo cuidado é pouco. Com folgada maioria no Congresso, Obrador pode se ver tentado a ceder ao populismo desbragado. Fechar Los Pinos e vender o avião presidenci­al a título de “economia”, por exemplo, são um sinal enganoso.

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