O Estado de S. Paulo

O SÍRIO QUE ESCALOU TERRORISTA­S DO 11/9

Depois dos atentados de 2001, Mohammed Haydar Zammar ficou 12 anos preso na Síria, se aliou ao Estado Islâmico e agora definha em uma cela mantida pelos curdos

- Liz Sly WASHINGTON POST QAMISHLI, SÍRIA / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Não havia nenhuma informação sobre o homem faminto e sujo que se rendeu em um remoto posto de controle pertencent­e aos aliados curdos dos EUA no deserto sírio. Nada que indicasse seu importante papel nos ataques terrorista­s de 11 de setembro de 2001, em que mais de 2.900 pessoas morreram. Ele mancava por causa de ferimentos em ambos os joelhos, sua barba estava emaranhada e cheia de piolhos, e ele fugia do Estado Islâmico.

Depois que ele se identifico­u e foram feitas as verificaçõ­es, a confirmaçã­o veio: era Mohammed Haydar Zammar, o homem que recrutou os sequestrad­ores que realizaram os ataques. Em sua primeira entrevista desde 2001, conduzida na presença dos guardas curdos que o mantêm em uma prisão na cidade síria de Qamishli, Zammar relatou sua excepciona­l jornada.

Sua história demonstra até que ponto a ameaça terrorista em constante evolução continua a afetar os EUA e tem sido sustentada por um núcleo de militantes islâmicos que cresceram na órbita de Osama bin Laden.

Com 57 anos, Zammar, que possui dupla nacionalid­ade, síria e alemã, é uma sombra do homem corpulento e barulhento que já ensinou jovens muçulmanos na mesquita de AlQuds, em Hamburgo. Depois de infrutífer­as tentativas de participar de conflitos armados no Oriente Médio nos anos 80, ele se instalou na mesquita para pregar aos jovens sobre seu dever em travar a jihad (guerra santa) em todo o mundo e viajar para o Afeganistã­o para treinament­o militar.

O primeiro membro da célula do 11 de Setembro em Hamburgo que Zammar conheceu foi Ramzi Binalshibh, um cidadão iemenita hoje detido em Guantánamo. Em seguida, ele conheceu Mohamed Atta, o líder dos sequestrad­ores, que pilotou o primeiro dos dois aviões que atingiram as torres do World Trade Center. Zammar lembra de Atta como um “bom rapaz” com “elevados padrões morais”. Depois vieram Marwan al-Shehhi, um cidadão dos Emirados Árabes Unidos que pilotou o avião que atingiu a segunda torre; Ziad Samir Jarrah, o libanês que pilotou o avião que caiu em um campo da Pensilvâni­a; e outros quatro que Zammar convenceu a viajar para o Afeganistã­o.

“Não foi fácil. Levou tempo. Eles estudavam na universida­de”, disse. “Eu dizia a eles que alguém vai atacar você, sua honra, sua propriedad­e, enquanto você não pode nem usar uma pistola. Não há país que não tenha um Exército para se defender, mas nós muçulmanos não temos.”

As viagens e os contatos de Zammar despertara­m as suspeitas das autoridade­s alemãs, que alertaram a CIA e começaram a monitorar seus movimentos e telefonema­s.

Quase no fim de 1999, Zammar fez outra visita ao Afeganistã­o, que coincidiu com a primeira visita ao país de Atta e de outros membros da célula de Hamburgo. Ele levava consigo a proposta de jogar aviões contra edifícios americanos. Foi nessa viagem, diz Zammar, que ele teve seu único encontro com o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, de quem lembra com reverência.

Zammar continua a negar qualquer conhecimen­to prévio da trama do 11 de Setembro. “Deus sabe, e com toda a honestidad­e, eu não sabia nada sobre o ataque de 11 de Setembro. Eles não me disseram nada”, disse ele.

Três meses após a operação, ele sumiu de vista. Foi preso e condenado no Marrocos, enviado à notória prisão de Sednaya, na Síria, perto de Damasco, onde ele diz ter sido torturado e mantido em confinamen­to solitário por meses a fio.

Em 2013, ele foi libertado com seis outros islamistas em uma troca de prisioneir­os por oficiais do Exército sírio, negociada por seu velho amigo Mohammed al-Bahaiya, conhecido como Abu Khaled al-Suri, que se mudou para a Síria e se tornou uma importante figura no grupo de oposição salafista Ahrar al-Sham. Ele foi morto em um bombardeio.

Uma vez liberado, Zammar se juntou ao recém-formado EI. Na prisão, havia conhecido vários dos líderes do grupo, libertados pelo governo de Assad em trocas anteriores de prisioneir­os. Eles o ajudaram a garantir uma série de empregos relativame­nte pequenos no EI.

Como o EI foi expulso das vastas áreas que controlava na Síria e no Iraque, Zammar moveu-se com os combatente­s em sua retirada, evitando os ataques aéreos americanos. Agora, definha em outra cela de prisão, ao lado de cerca de 30 outros prisioneir­os do grupo radical islâmico. Os curdos dizem que gostariam de se livrar dele e de todos os prisioneir­os do EI em seu poder. Zammar diz que gostaria de retornar à Alemanha para se reunir com sua primeira mulher, que ele disse não ver desde 2001.

Quando a entrevista terminou e Zammar foi levado, ele ainda estava falando, protestand­o contra as injustiças do mundo e dizendo que tinha uma mensagem para o presidente Donald Trump, os líderes da Europa e qualquer outra pessoa com um cargo. “Vocês devem temer a Deus. Vocês devem temer o seu criador. Eu juro que eles serão julgados por Deus”, disse ele, enquanto voltava para sua cela.

“Não foi fácil. Levou tempo. Eles estavam na faculdade. Eu dizia que não há país no mundo que não tenha um Exército para se defender, enquanto nós muçulmanos não temos” Mohammed Haydar Zammar

SOBRE COMO RECRUTOU TERRORISTA­S

PARA O 11 DE SETEMBRO DE 2001

 ?? ALICE MARTINS/THE WASHINGTON POST -18/10/2018 ?? Prisão. Zammar, em uma prisão curda na Síria; ele diz que não sabia dos planos do 11 de Setembro
ALICE MARTINS/THE WASHINGTON POST -18/10/2018 Prisão. Zammar, em uma prisão curda na Síria; ele diz que não sabia dos planos do 11 de Setembro

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