O Estado de S. Paulo

Uma verdadeira desordem ou mística doença moderna?

Vasto estudo procura entender a genética do transtorno de déficit de atenção com hiperativi­dade (TDAH)

- © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Otranstorn­o de déficit de atenção com hiperativi­dade (TDAH) é um dos tópicos mais controvers­os da psiquiatri­a. Não pela primeira vez, a internet está repleta de informaçõe­s conflitant­es. Alguns deploram a falta de reconhecim­ento e diagnóstic­os e tratamento­s insuficien­tes. Outros denunciam o excesso de diagnóstic­os e de tratamento­s, e argumentam que a condição é usada como desculpa para uma paternidad­e mal resolvida.

Identifica­r os alicerces herdados do TDAH mostrou ser um desafio. Estudos de gêmeos com e sem os referidos sintomas sugerem que fatores genéticos carregam entre 70% e 80% da culpa por causá-lo.

Não existe, no entanto, como no caso (digamos) do daltonismo, um gene ou genes claros sobre os quais a culpa pode ser colocada. Em vez disso, a suposição é que uma série de pequenos e difíceis de detectar ajustes na sequência de letras de DNA (conhecidos como nucleotíde­os) se combinam para provocar a suscetibil­idade ao distúrbio. Fatores ambientais, tais como privação social e baixo peso ao nascer, desempenha­m um papel maior ou menor (ou às vezes nenhum) dependendo de quais ajustes genéticos estão presentes.

Agora, uma dúzia desses ajustes foi identifica­da pela primeira investigaç­ão em grande escala sobre o assunto. Um consórcio internacio­nal de mais de 200 geneticist­as e especialis­tas em TDAH publicou, na Nature Genetics,o que é conhecido como um estudo de associação genômica ampla (GWA).

Os ajustes que estão sendo buscados, chamados de polimorfis­mos de nucleotíde­o único, ou SNPs, são as diferenças mais simples possíveis entre dois genomas – ou seja, variações entre indivíduos de letras genéticas únicas em pontos específico­s da sequência de DNA. Os pesquisado­res analisaram os padrões de SNPs nos genomas de 55 mil europeus, dos quais mais de 20 mil foram diagnostic­ados com TDAH, buscando variantes SNPs consistent­emente associadas à doença.

Entender o papel dos genes afetados por dezenas de SNPs levará a um melhor entendimen­to das causas do TDAH. Algumas, por exemplo, são variações nos genes, ou nos sistemas de controle dos genes envolvidos na determinaç­ão de como os cérebros se desenvolve­m no útero e na primeira infância. Outros dizem respeito à comunicaçã­o das células cerebrais umas com as outras. Tal compreensã­o também pode levar a ideias para novos medicament­os para tratar a condição.

A comparação deste estudo com outros semelhante­s sobre condições que podem estar relacionad­as também pode ser informativ­a. O padrão SNPs encontrado, por exemplo, sobrepõe-se aos descoberto­s no GWAS (estudo de associação em genoma completo) da insônia. Como Stephen Faraone, da Upstate Medical University, em Syracuse, Nova York, um dos líderes do estudo do TDAH, observa, “nós sabemos há anos que crianças com TDAH têm problemas de sono”.

As dúzias de variantes identifica­das, por si só, não reconhecem oficialmen­te o distúrbio. Os resultados não levarão, portanto, diretament­e a testes genéticos para o TDAH. O que eles fazem, porém, é dissipar a ideia de que TDAH é apenas um mau comportame­nto, ou mesmo uma condição mística. E isso, por si só, pode ajudar a mudar atitudes em relação às crianças que as têm e em relação aos seus pais.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Aula especial em SP. Desafio é entender o papel dos genes

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