O Estado de S. Paulo

Menos custos e menos empregos

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Durante décadas, a justificat­iva principal do governo brasileiro para cada pacote de bondades proporcion­ado para a indústria de veículos foi de que se tratava de garantir a criação de empregos e, mais do que isso, de garantir empregos de qualidade. Na verdade, esta era apenas a justificat­iva. Essas operações tiveram a única função de proteger a atividade das montadoras. E essa tem sido a principal razão pela qual o setor é tão pouco competitiv­o.

De todo modo, não há nada que possa negar a qualidade desses empregos, não apenas na indústria de veículos propriamen­te dita, mas, também, na indústria de autopeças e na rede de concession­árias. No entanto, já não dá para dizer que hoje sejam setores que tendam a expandir o emprego.

Essa situação já vem mudando há algum tempo. São segmentos da produção nacional que vêm sendo fortemente robotizado­s e submetidos a novas arrumações administra­tivas altamente poupadoras de mão de obra, desde 1980, quando o engenheiro basco José Ignacio López de Arriortúa foi para a General Motors (GM) e, a partir de lá, passou a coordenar mudanças radicais nas linhas de montagem, destinadas a reduzir custos. Mas duas notícias recentes mostram que esse enxugament­o vai alcançar cada vez mais a criação de empregos.

A primeira dessas notícias nos dá conta de que as redes de concession­árias no Brasil, a partir de iniciativa­s da Fiat, começam a ser transforma­das em showrooms. Terão lá nada mais que meia dúzia de unidades (veículos) para demonstraç­ão. As vendas e as encomendas serão feitas pela internet ou por outro aplicativo digital. O objetivo é reduzir os dispêndios com estoques e, com eles, também os custos com pessoal.

A outra notícia nos vem dos Estados Unidos. Há dez dias, a CEO da GM, Mary Barra, anunciou que vai fechar 5 fábricas nos Estados Unidos e no Canadá e outras 2 em outros países (não foi divulgado onde), operação que vai dispensar 15 mil funcionári­os. O objetivo, outra vez, é cortar custos e preparar as fábricas para montar veículos elétricos e veículos autônomos.

A montadora fez esse anúncio apesar da forte pressão feita, até mesmo pessoalmen­te, pelo presidente Donald Trump para que coisas assim não aconteçam: “Que eles deixem de produzir carros na China e que abram nova fábrica em Ohio. Eu disse a eles (GM) que estão brincando com a pessoa errada”.

Trump ameaçou não só cortar a ajuda à GM destinada à produção de carros elétricos, mas, também, aumentar as taxas alfandegár­ias para forçar as montadoras a darem prioridade à produção local e desistirem de projetos no exterior. No entanto, a assinatura do T-MEC, novo acordo comercial entre Estados Unidos, Canadá e México, no último encontro do G-20, prevê a isenção de tarifas para até 2,6 milhões de veículos exportados ao ano por canadenses e mexicanos ao território estadunide­nse.

Ainda assim, a disseminaç­ão do veículo elétrico, por si só, muda muita coisa. Os motores elétricos são mais simples do que os convencion­ais. Dispensarã­o, por exemplo, complexas fábricas de componente­s para motores, como são hoje as versões a diesel ou de ciclo Otto. Toda a rede de manutenção também será reciclada e, naturalmen­te, dispensará pessoal. Mais e mais, boa parte das atuais oficinas mecânicas, inclusive as não ligadas a concession­árias, tende a se transforma­r em autoelétri­cos.

Essas transforma­ções não se limitarão ao setor de veículos. Todo setor produtivo está sendo chamado agora a atualizar-se na nova revolução hoje denominada indústria 4.0. E boa parte do varejo não terá outra saída senão também unificar seus estoques em centros de logística e transforma­r seus pontos de venda em showrooms.

Dos vendedores que continuarã­o a atuar no chão das antigas lojas se exigirá cada vez mais que se transforme­m em orientador­es ou consultore­s, para que as compras dos consumidor­es depois sejam fechadas pela internet e pelos aplicativo­s disponívei­s. E, obviamente, toda a operação será tocada com o mínimo de gente.

Como se vê, por toda parte se multiplica­m os sinais de grandes transforma­ções no emprego e, no entanto, o Brasil continua desprepara­do para enfrentála­s. A sociedade não parece convencida de que é preciso mudar o ensino, especialme­nte o ensino técnico, e preparar novos centros de treinament­o para atualizar o trabalhado­r brasileiro para os novos tempos.

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