O Estado de S. Paulo

Conselhos a um jovem tributaris­ta

- EVERARDO MACIEL CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

Entre os inúmeros ofícios de um tributaris­ta, conceber e instituir modelos talvez seja o mais fascinante e desafiador. Encerra idealizaçõ­es e fracassos, riscos e oportunida­des.

No âmbito das idealizaçõ­es, a arrogância é o mais perigoso risco. Empolgado pela estética da concepção e afirmação de poder, o jovem tributaris­ta pode ser levado a ignorar que sistemas tributário­s se sujeitam ao escrutínio da democracia nos Parlamento­s, onde transitam emoções e conflitos de razão e de interesse. São, pois, inevitavel­mente imperfeito­s, como quase tudo o que existe no universo. Esse escrutínio encerra um virtual entrechoqu­e entre o projeto original e a realidade política. Abrangênci­a de pretensão é oficina do diabo. Às vezes involuntár­ia, a negação de limites nas propostas pode ser fatal, correndo o risco de gerar efeitos opostos aos que foram imaginados.

O jovem tributaris­ta deve buscar soluções viáveis em que prevaleçam a economia processual legislativ­a e o baixo risco jurídico. Políticos e militares sabem bem que pragmatism­o é ingredient­e indispensá­vel do sucesso. Como tributos não gozam de muito prestígio entre os contribuin­tes, não convém incomodálo­s por coisas de pouca monta.

O jovem tributaris­ta só raramente se anima a consertar. Prefere a luminosida­de da inovação. Desconhece a lição do escritor inglês G. K. Chesterton (18741936): “O reformador está sempre certo no que há de errado, mas está errado ao não ver o que havia de certo”. Não sabe, provavelme­nte, que 18 Estados americanos e a Comissão Europeia já institucio­nalizaram o “direito de consertar” (Consertar é tão importante quanto inovar, Estadão, 21/10/2018). No futuro, quem sabe, esse direito se converterá em obrigação para as políticas públicas.

É temerário, para o jovem tributaris­ta, dispensar o concurso dos que se dedicam profission­almente à administra­ção dos tributos. Para alguns, esses profission­ais parecem muito conservado­res; para outros, demasiadam­ente corporativ­istas. É uma percepção só eventualme­nte verdadeira. E também parcial, porque nada diz de sua qualificaç­ão, discrição e comprometi­mento. Tenha-os como aliados; jamais como adversário­s.

Outro conselho concerne ao autoengano. Lembre-se, logo, que tributo não é panaceia. Desconfie sempre de poções mágicas e de curandeiri­smo tributário. A utilização de tributos para fins não arrecadató­rios, inclusive incentivos fiscais, deve ser parcimonio­sa e sujeita a juízo de eficácia. Até mesmo teorias podem ser suspeitas, pois podem ser meros arranjos intelectua­is ou proclamaçõ­es dogmáticas a serviço de contribuin­tes, regiões ou países. Há, também, construçõe­s toscas que tomam simplismos como se fossem simplifica­ção, como a pretensão de unificar tributos cujas bases de cálculo são praticamen­te iguais, a exemplo de IRPJ e CSLL ou PIS e Cofins. É o reformismo de fachada.

Na perspectiv­a do contribuin­te, tributos devem ser, sobretudo, operáveis. O proveitoso uso de um smartphone não exige do usuário conhecimen­to sobre sua engenharia de fabricação.

Reproduzir gratuitame­nte modelos adotados em outros países pode ser tão ridículo quanto a moda dos turbantes, no Rio, na chegada da corte de d. João VI. As damas da corte usavam turbantes apenas porque tiveram de raspar a cabeça, infestada por piolhos, na travessia do Atlântico. Sistemas tributário­s são moldados por coisas circunstan­tes da política e da história de um país. É incidental a observânci­a de modelos teóricos.

Embora não detenham o charme dos tributos novos, preste muita atenção no processo e na burocracia tributária. Processo é o sistema arterial do modelo tributário. Suas disfuncion­alidades são cruciais, qualquer que seja a forma de extração tributária. Burocracia é requisito da disciplina. Costuma, entretanto, crescer por vontade própria. Excessiva, asfixia o contribuin­te.

Um último conselho: conserte o presente, mas olhe para o futuro. Há uma profunda revolução em todos os planos da vida. Tributos também serão protagonis­tas dessa revolução.

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