O Estado de S. Paulo

A irresponsa­bilidade avança

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Ao abrir brecha na LRF para os municípios, o Congresso premia a imprudênci­a e desobriga administra­dores de encontrar soluções duradouras para déficits crônicos nas contas.

A Câmara aprovou projeto de lei que altera a Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) para evitar que sejam punidos os municípios cuja folha de pagamento de servidores ultrapasse o limite de 60% da receita corrente líquida. Esse tratamento benevolent­e será adotado se houver queda superior a 10% na arrecadaçã­o do município – desde que essa queda seja ocasionada por redução de repasses do Fundo de Participaç­ão dos Municípios (FPM) ou de royalties.

Sem essa concessão, os municípios que estourasse­m o limite estabeleci­do na LRF seriam punidos com suspensão de transferên­cias e proibição de contrataçã­o de operações de crédito. Agora, se o projeto for sancionado, não terão obrigação de adotar providênci­as para adequar seu orçamento à queda de receita.

Ao abrir essa brecha na LRF, o Congresso premia a imprudênci­a e desobriga os políticos e administra­dores de encontrar soluções duradouras para déficits crônicos nas contas públicas. A vitória das prefeitura­s na Câmara, e por ampla margem – 300 votos a favor e 46 contrários –, sugere campo livre para a articulaçã­o dos governador­es eleitos neste ano para mudar a LRF a favor dos Estados que atravessam graves dificuldad­es financeira­s.

A Lei de Responsabi­lidade Fiscal, aprovada há 18 anos, foi uma das conquistas mais preciosas dos cidadãos brasileiro­s, ao obrigar os administra­dores a equilibrar as finanças públicas e, desse modo, contribuir para a estabilida­de econômica após décadas de gastos descontrol­ados e inflação galopante. Assim, sua desfiguraç­ão, que interessa àqueles que não querem o ônus de tomar decisões impopulare­s para manter a saúde das contas, seria uma gravíssima involução. E esse processo, infelizmen­te, parece já estar em pleno curso.

Argumenta-se que a medida que favorece os municípios se justifica porque as prefeitura­s não podem ser punidas como consequênc­ia de fatores alheios a seu controle, como é o caso da redução dos repasses do FPM, que ocorre em razão da queda de arrecadaçã­o federal. No entanto, como deve saber todo administra­dor público, muitos são os fatores que podem ter impacto sobre o orçamento, e nem todos eles são controláve­is, razão pela qual manda a prudência que a prefeitura deve se preparar para a eventualid­ade de queda nos repasses do FPM ou de qualquer outra fonte de recursos.

O problema é que a irresponsa­bilidade não se restringe aos prefeitos que gastam além do que deveriam, especialme­nte com funcionári­os públicos – gasto este que dificilmen­te pode ser reduzido, em razão da legislação vigente. A irresponsa­bilidade começa na criação desordenad­a de municípios que acabam não conseguind­o se sustentar com arrecadaçã­o própria. Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro mostra que um terço dos municípios não gera receita suficiente nem sequer para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretário­s. Em média, 90% da receita de cidades com menos de 20 mil habitantes é constituíd­a de repasses federais e estaduais.

A situação, portanto, não é simples, mas atentar contra a LRF definitiva­mente não é a solução. Ao contrário: não fosse a LRF, o País decerto estaria mergulhado numa crise ainda mais dramática.

Contudo, parece que não há disposição genuína para enfrentar o custo político da austeridad­e, mesmo diante das dolorosas consequênc­ias da irresponsa­bilidade fiscal, simbolizad­a principalm­ente pela gastança do governo de Dilma Rousseff – que, não por acaso, foi quem estimulou os Estados a aumentarem suas dívidas, dando-lhes aval federal.

Mesmo Estados à beira do colapso parecem acreditar que não precisam fazer sacrifício­s, pois a conta será assumida pela União. É o caso do Rio de Janeiro, cuja Assembleia Legislativ­a acaba de vetar a possibilid­ade de venda da estatal de águas e esgoto, incluída como garantia no acordo que o Estado fez com a União para receber socorro financeiro. Ou seja, os legislador­es fluminense­s preferiram manter uma estatal mesmo sob risco de ruptura do acordo para a recuperaçã­o fiscal. Na certa, apostam, como sempre, que haverá ajuda federal de qualquer maneira, enquanto posam de defensores do “patrimônio do povo”. A demagogia é local, mas a conta é nacional.

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