Ameaça de retrocesso
Mudanças feitas pela Câmara no PL 6621 desvirtuam texto original sobre agências reguladoras.
As agências reguladoras foram concebidas como autarquias independentes da ingerência política em meados da década de 1990 e início dos anos 2000, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Àquela época, algumas empresas estatais foram privatizadas e uma série de serviços que até então eram prestados pelo Estado à população passou para a iniciativa privada, por meio de concessões públicas. Era fundamental, portanto, garantir o cumprimento dos contratos, de modo a assegurar os direitos da empresas e a qualidade dos serviços prestados por elas à população, objetivos que deveriam ser alcançados por uma gestão técnica e imparcial daqueles órgãos reguladores.
Passadas mais de duas décadas de sua criação – a primeira, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é de 1996 –, as agências reguladoras estão distantes de seus princípios fundadores. Ao longo desse tempo, políticos de todos os matizes ideológicos – alguns sem qualquer matiz, como o presidente Lula da Silva – viram na independência das agências não um importante avanço econômico e institucional para o País, mas uma “ameaça” à manutenção de suas zonas de influência, poder que raras vezes tem sido exercido tendo o interesse público como norte.
Tornou-se célebre a reação do então presidente Lula da Silva ao tomar conhecimento de um reajuste das tarifas de energia homologado pela Aneel, reclamando que “não havia sido consultado”. A partir daquele momento, tanto a Aneel como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) começaram a perder autonomia até que passaram a depender das decisões do Ministério de Minas e Energia, sob gestão de Dilma Rousseff. De lá para cá, com menos ou mais ênfase, fez-se a ocupação política das agências reguladoras, com graves prejuízos para o Brasil.
O Projeto de Lei (PL) 6.621/2016, de autoria do senador Eunício Oliveira (MDBCE), constitui um importante freio ao desvirtuamento do papel institucional dos órgãos reguladores. A chamada Lei Geral das Agências Reguladoras estabelece uma série de critérios para nomeações de diretores destes órgãos, tal como já acontece nas empresas estatais desde o início da vigência da Lei 13.303/2016.
Na Câmara dos Deputados, o PL 6.621 foi aprovado por uma comissão especial em julho deste ano. A votação foi conclusiva, ou seja, o projeto não precisa ir à deliberação do plenário da Casa, seguindo direto para o Senado. O problema – e aqui está uma grave ameaça de retrocesso – é que o projeto foi aprovado com alterações propostas em substitutivos que não apenas autorizam nomeações de parlamentares, líderes partidários e parentes para cargos de direção nas agências reguladoras, como também revogam dispositivos da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) que já proíbem a prática nefasta. Ou seja, caso vá adiante nestas condições, o PL 6.621 estará caracterizado como um duplo retrocesso, na medida em que tanto não avança na melhoria da gestão dos órgãos reguladores como acaba com os benfazejos efeitos da Lei das Estatais.
O deputado Danilo Forte (PSDB-CE), relator do PL 6.621 na comissão especial, afirmou que “não fazia sentido” tratar dirigentes partidários de forma “diferente dos demais cidadãos”. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que há dois anos qualificou o PL 6.621 como um “marco divisor contra os predadores das estatais”, agora defende o “princípio da isonomia, desde que a pessoa (indicada para a direção de uma agência reguladora) seja capacitada e honrada”. Cabe indagar o que levou o deputado Luiz Carlos Hauly, que não se reelegeu em outubro, a mudar tão drasticamente a sua posição.
O senador Eunício Oliveira avisou que não permitirá o desvirtuamento do projeto. “Eu não terei condições de pautar um projeto diferente do que pensou o legislador, no caso eu. Vou mandar analisar e, se tiver desvirtuamento, ele será corrigido aqui ou não será votado”, disse o presidente do Senado. Que assim seja.