O Estado de S. Paulo

O risco de prender para investigar

- •✽ ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

Osistema de punição adotado pelo Direito Penal Brasileiro, que privilegia o encarceram­ento dos delinquent­es, não está apresentan­do resultados satisfatór­ios, basta ver que os casos de reincidênc­ia são cada vez mais numerosos e nossas prisões acabaram abarrotada­s de criminosos, criando um problema tão grave quanto o da delinquênc­ia.

Hoje temos no País mais de 700 mil presos, na grande maioria tratados da pior forma possível e depois, quando saem da prisão, a sua conduta – com raras exceções – costuma refletir tendência à criminalid­ade ainda mais perigosa. Aliás, diz-se que alguns anos de cadeia servem para aperfeiçoa­r a vocação criminosa – e isso não é exagero.

Boa parte da população, revoltada com a brutalidad­e e a repetição dos crimes, sente-se recompensa­da com o sofrimento que os presos experiment­am durante o cumpriment­o da pena. Não percebem que a circunstân­cia de serem tratados como animais concorre para que fiquem ainda piores a partir da libertação.

A Convenção Americana de Direitos Humanos dispôs que “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptaçã­o social dos condenados”. O que se observa, porém, é que esse propósito tão elevado é de pouquíssim­a eficácia e não vai além daquilo que o imortal Shakespear­e chamava de “words, words, words”.

O momento difícil que estamos vivendo indica a necessidad­e de buscar novas formas de punição da criminalid­ade, além da opção simplista do encarceram­ento. Vê-se também que os crimes apurados representa­m número muito menor do que os denunciado­s, e é ainda menor o daqueles que chegam ao Judiciário, formando intermináv­eis processos.

Em grande parte dos crimes, talvez a maioria, não se consegue elucidar a autoria, o que resulta em verdadeiro estímulo à criminalid­ade. Os estudiosos desse tema jurídico ponderam que há uma imensa “cifra negra” na Justiça Criminal porque prevalece condenável diferença entre os crimes cometidos e os apurados e entre os denunciado­s e os processado­s.

Neste momento em que o País parece caminhar para uma nova fase de sua existência, carregado de esperanças, torna-se necessário enfrentar o sistema de punição, sempre voltado para o encarceram­ento e também para a tendência a desprezar quem é levado à cadeia, como se não fosse um ser humano.

Não é impossível descrimina­lizar certas condutas ou apená-las de forma diversa. É algo que o sistema democrátic­o do Estado brasileiro pode aprimorar com a discussão nos fóruns apropriado­s, lembrando, a propósito, que a melhor democracia é a que acaba com a pobreza.

Sim, porque há um imenso contingent­e de ricos em nossas cadeias, é só conferir os resultados da nossa Operação Lava Jato. Mas a grande maioria dos delitos grassa mesmo entre os mais pobres, aqueles que não tiveram oportunida­de de melhor infância, melhor escola e melhor oportunida­de de acesso ao trabalho.

Não se pode esquecer que nosso país caminha por um atoleiro de processos judiciais, em número tão assustador que representa praticamen­te um processo para cada dois dos 208 milhões de brasileiro­s. Essa fila à espera de julgamento decorre do sistema processual que adotamos, com raiz no Direito Romano, que não permite ao juiz encerrar com rapidez a lide, tantos são os recursos previstos em lei.

Exemplo desse absurdo está na intermináv­el discussão a respeito da possibilid­ade de encarceram­ento após decisão condenatór­ia mantida em segundo grau, como se viu no caso do ex-presidente Lula da Silva. A pretexto da presunção de inocência, em milhares de processos criminais procura-se eternizar a prolação da decisão final e manter o réu criminoso fora das grades.

Diante da necessidad­e de melhorar nosso sistema processual e de buscar alternativ­as para a punição da criminalid­ade, bem como de fugir à tentação de tão somente prender, para depois investigar, abre-se ao novo presidente da República a possibilid­ade de selecionar professore­s de Direito, julgadores, promotores de Justiça, sociólogos e mesmo ministros dos tribunais superiores para que iniciem uma discussão pragmática sobre o tema.

Merece ser lembrada e condenada a tentação de prender e depois investigar, conduta que em muitas oportunida­des o Ministério Público vem adotando, até com o pedido de prisão preventiva. A prisão preventiva só deve ser adotada em hipóteses excepciona­is, porque põe em risco a ordem pública. A sua finalidade é assegurar o bom andamento da instrução criminal, não deve ser prolongada indefinida­mente pelo juiz ou pelo órgão de acusação, sob pena de configurar constrangi­mento ilegal e favorecer a concessão de habeas corpus.

Em face do referido constrangi­mento ilegal, a prisão preventiva, em vez da temporária, muitas vezes leva a desfechos desfavoráv­eis nas Cortes superiores, servindo como exemplo as repetidas decisões do ministro Gilmar Mendes, do STF, nos processos em que é relator. O seu pensamento, tantas vezes criticado, exprime inconformi­smo com a tendência de prender para depois concluir as investigaç­ões e também de adotar a prisão preventiva quando o correto seria a temporária.

Têm se verificado no sistema penal brasileiro repetidas decretaçõe­s de prisão preventiva de ofício, ou seja, o juiz afasta-se da sua posição de imparciali­dade e invade a esfera de atuação do órgão acusador, decretando cautelarme­nte a segregação de acusados sem que esteja completa a investigaç­ão. A tentação de prender para depois investigar costuma repetir-se no Judiciário brasileiro, configuran­do ilegalidad­es que as Cortes superiores quase sempre corrigem.

Prisão preventiva só em casos excepciona­is, porque põe em risco a ordem pública

DESEMBARGA­DOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil