Como tributar bytes?
Odesequilíbrio das contas públicas não é problema apenas do Brasil. Com as exceções de praxe, as principais economias do mundo enfrentam enorme penúria fiscal. Sobram despesas e faltam receitas pelos mais variados motivos.
Uma das razões disso, cada vez mais preocupante, é a de que a atividade econômica está cada vez mais dependente das tecnologias digitais, ambiente de tributação muito difícil.
Quando há entrega de mercadoria, mesmo no comércio eletrônico, ainda há boa saída. Os impostos são cobrados, por exemplo, no destino do produto. Mas como calcular o valor agregado a ser tributado na compra de uma faixa de álbum musical, de cópia de um filme ou, ainda, no pagamento de um projeto de arquitetura, itens que não estão à venda em lojas, mas correspondem a serviços de streaming ou prestados por profissionais liberais, que ocupam certo número de bytes, algo tão abstrato?
Como autoridades tributárias de um país podem cobrar impostos sobre receita gerada por empresas digitais como Facebook ou Google, que nem têm filial, escritório ou representação em seu próprio território?
Há um mês, o Reino Unido anunciou novo imposto que deve começar a vigorar em 2020, que alcançará empresas digitais cuja receita global seja igual ou maior a 500 milhões de libras (cerca de R$ 2,3 bilhões). Estarão elas submetidas a uma taxação de 2% sobre receita gerada no país. O projeto é similar ao proposto pela Comissão Europeia em março – e já bem enfraquecido –, que previa a tributação de até 3% das receitas de empresas digitais que atuem em seus territórios, bastando que as receitas anuais globais da companhia sejam de ¤ 750 milhões.
O Direito Tributário internacional sempre seguiu o princípio de territorialidade para cobrar um imposto. Se uma empresa tem instalações em determinado país, está sujeita a pagar os impostos cobrados aí. O problema é que muitas atividades das empresas digitais dispensam instalações físicas e endereço. Tudo pode estar “na nuvem” e ser feito virtualmente.
A União Europeia argumenta que, na prática, as empresas que operam no mercado digital são submetidas a uma carga tributária média de 9%, enquanto as empresas da economia convencional enfrentam 23%. Trata-se, portanto, de enfrentar uma competição desleal.
Renata Foz, especialista em Tributação da consultoria KPMG, explica que a discussão internacional hoje se desloca para a localização da empresa onde tenha atuação relevante e não mais onde tem instalações.
É a partir dessa lógica que o Reino Unido pretende cobrar o “imposto digital”. O problema, aponta Renata Foz, é a falta de consenso entre governos sobre o modelo a ser seguido. A falta de acordo aponta para o risco de cobrança de múltipla tributação sobre o mesmo fato gerador.
Outro problema consiste em definir o que seja valor agregado nos negócios digitais. Um exemplo para entender a dificuldade: internautas das redes sociais da França geram informações (big data) ao curtir páginas de marcas e ao veicular informações de conteúdo. Esses dados são vendidos pela rede social – uma empresa norte-americana, por exemplo – a uma agência de publicidade sueca. No entanto, os lucros auferidos com essas transações não são necessariamente tributados no país dos usuários (alvo do anúncio publicitário), mas, sim, no país onde os algoritmos de publicidade foram desenvolvidos. Ou seja, a contribuição do usuário não é levada em consideração quando a empresa é tributada.
No Brasil, as discussões são incipientes. O professor do Insper Direito Renato Opice avisa que é indispensável atualização do modelo tributário nacional para que essas empresas possam vir a ser sujeitas à taxação. O professor da FGV Marcos Cintra reconhece a enorme dificuldade, mesmo se todos os países adotassem o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Esse é um dos argumentos pelos quais ele se bate para que seja adotado o Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF), que, no Brasil levou a sigla CPMF, instrumento tributário do qual não escapariam pagamentos feitos a empresas digitais. Um dos problemas aí é que o IMF seria uma jabuticaba. Nenhum país o adota.
Em documento apresentado na Organização Mundial do Comércio (OMC), a delegação do Brasil defendeu a cobrança de imposto local sobre receita e lucro de plataformas online, mesmo se a empresa não tiver presença física no País. Mas não apontou solução para os novos problemas que essa cobrança geraria.