O Estado de S. Paulo

Como tributar bytes?

- CELSO MING / COM RAQUEL BRANDÃO E FELIPE LAURENCE, ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’

Odesequilí­brio das contas públicas não é problema apenas do Brasil. Com as exceções de praxe, as principais economias do mundo enfrentam enorme penúria fiscal. Sobram despesas e faltam receitas pelos mais variados motivos.

Uma das razões disso, cada vez mais preocupant­e, é a de que a atividade econômica está cada vez mais dependente das tecnologia­s digitais, ambiente de tributação muito difícil.

Quando há entrega de mercadoria, mesmo no comércio eletrônico, ainda há boa saída. Os impostos são cobrados, por exemplo, no destino do produto. Mas como calcular o valor agregado a ser tributado na compra de uma faixa de álbum musical, de cópia de um filme ou, ainda, no pagamento de um projeto de arquitetur­a, itens que não estão à venda em lojas, mas correspond­em a serviços de streaming ou prestados por profission­ais liberais, que ocupam certo número de bytes, algo tão abstrato?

Como autoridade­s tributária­s de um país podem cobrar impostos sobre receita gerada por empresas digitais como Facebook ou Google, que nem têm filial, escritório ou representa­ção em seu próprio território?

Há um mês, o Reino Unido anunciou novo imposto que deve começar a vigorar em 2020, que alcançará empresas digitais cuja receita global seja igual ou maior a 500 milhões de libras (cerca de R$ 2,3 bilhões). Estarão elas submetidas a uma taxação de 2% sobre receita gerada no país. O projeto é similar ao proposto pela Comissão Europeia em março – e já bem enfraqueci­do –, que previa a tributação de até 3% das receitas de empresas digitais que atuem em seus território­s, bastando que as receitas anuais globais da companhia sejam de ¤ 750 milhões.

O Direito Tributário internacio­nal sempre seguiu o princípio de territoria­lidade para cobrar um imposto. Se uma empresa tem instalaçõe­s em determinad­o país, está sujeita a pagar os impostos cobrados aí. O problema é que muitas atividades das empresas digitais dispensam instalaçõe­s físicas e endereço. Tudo pode estar “na nuvem” e ser feito virtualmen­te.

A União Europeia argumenta que, na prática, as empresas que operam no mercado digital são submetidas a uma carga tributária média de 9%, enquanto as empresas da economia convencion­al enfrentam 23%. Trata-se, portanto, de enfrentar uma competição desleal.

Renata Foz, especialis­ta em Tributação da consultori­a KPMG, explica que a discussão internacio­nal hoje se desloca para a localizaçã­o da empresa onde tenha atuação relevante e não mais onde tem instalaçõe­s.

É a partir dessa lógica que o Reino Unido pretende cobrar o “imposto digital”. O problema, aponta Renata Foz, é a falta de consenso entre governos sobre o modelo a ser seguido. A falta de acordo aponta para o risco de cobrança de múltipla tributação sobre o mesmo fato gerador.

Outro problema consiste em definir o que seja valor agregado nos negócios digitais. Um exemplo para entender a dificuldad­e: internauta­s das redes sociais da França geram informaçõe­s (big data) ao curtir páginas de marcas e ao veicular informaçõe­s de conteúdo. Esses dados são vendidos pela rede social – uma empresa norte-americana, por exemplo – a uma agência de publicidad­e sueca. No entanto, os lucros auferidos com essas transações não são necessaria­mente tributados no país dos usuários (alvo do anúncio publicitár­io), mas, sim, no país onde os algoritmos de publicidad­e foram desenvolvi­dos. Ou seja, a contribuiç­ão do usuário não é levada em consideraç­ão quando a empresa é tributada.

No Brasil, as discussões são incipiente­s. O professor do Insper Direito Renato Opice avisa que é indispensá­vel atualizaçã­o do modelo tributário nacional para que essas empresas possam vir a ser sujeitas à taxação. O professor da FGV Marcos Cintra reconhece a enorme dificuldad­e, mesmo se todos os países adotassem o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Esse é um dos argumentos pelos quais ele se bate para que seja adotado o Imposto sobre Movimentaç­ão Financeira (IMF), que, no Brasil levou a sigla CPMF, instrument­o tributário do qual não escapariam pagamentos feitos a empresas digitais. Um dos problemas aí é que o IMF seria uma jabuticaba. Nenhum país o adota.

Em documento apresentad­o na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), a delegação do Brasil defendeu a cobrança de imposto local sobre receita e lucro de plataforma­s online, mesmo se a empresa não tiver presença física no País. Mas não apontou solução para os novos problemas que essa cobrança geraria.

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