O Estado de S. Paulo

O Facebook e os ‘gilets jaunes’

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Omovimento francês dos “gilets jaunes”, coletes amarelos, representa a terrível constataçã­o de que o impacto do Facebook na política mundial não só é profundo como, talvez, insolúvel sem uma reformulaç­ão profunda do sistema. Porque o que alimentou a agressivid­ade dos protestos franceses foram justamente as mudanças feitas pela rede social, no início do ano, para impedir manipulaçã­o política.

Mudanças que faziam sentido.

A avaliação de executivos e engenheiro­s do Facebook era de que a rede havia se tornado demasiadam­ente focada no noticiário e se afastado do objetivo principal, promover encontros entre pessoas. De quebra, porque as notícias compartilh­adas eram as de títulos mais exuberante­s – ou sensaciona­listas –, traziam para dentro da plataforma o fantasma da distorção ideológica, quando não fake news generaliza­das.

A solução proposta foi mudar o algoritmo com dois objetivos. O primeiro, priorizar noticiário que fosse local em detrimento do nacional. Mais da sua cidade e do seu bairro. Depois, a turma decidiu promover mais postagens de família, amigos e grupos, incentivan­do conversas entre pessoas conhecidas, diminuindo o alcance de gente famosa – fossem jornalista­s, fossem artistas, ou mesmo marcas.

No papel, tinha toda a lógica do mundo. O software que rege aquilo que nos chega via Facebook calibraria o conteúdo que vemos para nos afastar das armadilhas e ódios da política.

Na França, a prática foi justamente o contrário. Porque, também no início do ano, e esse processo foi detalhadam­ente reconstruí­do pelo BuzzFeed News, começavam a pipocar pela rede social, em todo o país, grupos que logo foram apelidados Groupe Colère. Coléricos. Raivosos. Lá, pessoas de cada cidade se encontrava­m online para reclamar do que não aguentavam mais.

E as mudanças implementa­das pelo Facebook fizeram com que esses grupos, por serem iminenteme­nte locais, fossem apresentad­os a mais e mais pessoas. O algoritmo, literalmen­te, atiçou um naco da população a se juntar a grupos nos quais a raiva era estimulada. A mudança antipolari­zação do Facebook provocou os mais violentos protestos em Paris desde 1968.

“Como amplificad­or e radicaliza­dor da cólera popular”, escreveu o influente jornalista Frederic Filloux, “o Facebook demonstrou seu grau de toxicidade para o processo democrátic­o”. Filloux escreve, em conjunto com o expresiden­te da Apple francesa JeanLouis Gassée, uma influente newsletter lida em todo o Vale do Silício – Monday Note. Porque estava em Paris, entende política francesa e é respeitado no Vale, seu artigo desta segunda-feira teve imensa repercussã­o.

Como teve imensa repercussã­o o pacote de e-mails internos do Facebook tornados públicos, na quarta-feira, pelo Parlamento britânico.

Num deles, um executivo defende o uso de um truque para que o app da rede tire informação sobre ligações feitas em celulares Android. Sua equipe havia descoberto como fazê-lo sem informar ao dono do aparelho. “Pode ser um problema de relações públicas”, diz, mas a informação ajudaria a compreende­r mais as redes de amizade dos usuários. E essa é informação preciosa para quem faz dinheiro mapeando o comportame­nto de cada indivíduo.

Noutra mensagem, esta do próprio Mark Zuckerberg, ele é bastante claro: “Pode ser bom para o mundo, mas só é bom para nós se as pessoas estiverem gerando conteúdo dentro do Facebook”.

Tudo certo: é uma empresa privada cujo objetivo é crescer. E dribla uns limites éticos quando necessário. Mas é preciso fazer uma pergunta: “A ira do mundo estaria nas ruas sem o Facebook?”.

Movimento francês mostra que o impacto do Facebook na política mundial é profundo

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil