O Estado de S. Paulo

‘O Brasil é uma das melhores apostas para 2019’

Para ex-diretor do BC, se conseguir desatar o nó fiscal, País pode chegar ao fim do ano crescendo a um ritmo de 3,5% a 4%

- Luciana Dyniewicz Alexandre Calais

As condições econômicas para o Brasil voltar a crescer são as melhores desde a redemocrat­ização do País, na análise do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) e sócio da Ibiuna Investimen­tos, Mário Torós. A decolagem, porém, vai depender da capacidade política do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para resolver o problema fiscal. Caso consiga, o País poderá chegar ao segundo semestre de 2019 crescendo a uma taxa anualizada de 3,5% ou 4%, diz o economista. Segundo ele, Bolsonaro tem até o fim do ano para aprovar a reforma da Previdênci­a. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

Como será o Brasil que Bolsonaro vai receber?

Sempre que se analisa o Brasil, é preciso olhar o cenário doméstico e internacio­nal. Talvez Bolsonaro esteja assumindo um governo com a melhor situação econômica, do ponto de vista de fatores cíclicos, do novo período democrátic­o. A taxa de juros está baixa, a inflação baixa, o hiato do produto (ociosidade que permite cresciment­o econômico) bastante grande. Claro que tudo isso foi à custa de desemprego, mas a situação de balanço de pagamentos é tranquila e a conta corrente, equilibrad­a. Mas há um problema estrutural enorme: o fiscal. Se esse nó for desatado, o País pode entrar em um ciclo de cresciment­o sustentáve­l.

E o que tem de ser feito?

São coisas sabidas: reforma da Previdênci­a, simplifica­ção tributária, fim do abono salarial. Acho que as já medidas foram desenhadas pela equipe econômica, que é excelente. A questão que remanesce é se vai haver capacidade política. O governo Temer não teve. Conseguiu só no primeiro ano.

O sr. está confiante nessa capacidade política?

Ainda é cedo para afirmar. As medidas estão na direção correta. Do ponto de vista de mercado, os preços (na bolsa) mostram isso: estão atrativos e há prêmios grandes que refletem dúvidas.

A economia decola em 2019?

As indicações mostram que uma alta de 2,5% no PIB é bastante factível. A questão é se o governo consegue desatar o nó fiscal. Se consegue deixar claro no primeiro semestre que a questão será resolvida, a economia pode acelerar. Podemos chegar nos últimos trimestres crescendo a uma taxa de 3,5% ou 4% ao ano.

Com esse cresciment­o, será possível manter a inflação e os juros baixos?

Acho que o BC fez um trabalho extraordin­ário de ancorar as expectativ­as de inflação. Mas ainda é cedo para dizer se a taxa de juros permanecer­á estável.

Que avaliação o sr. faz do novo presidente do BC, Roberto Campos Neto?

Trabalhei com ele muito tempo no Santander. A escolha não podia ser melhor. Ele é tranquilo, sabe ouvir e é ponderado ao tomar decisões.

Há um debate em torno da autonomia do BC. O que mudaria, na prática, com a medida?

Há estudos que tentam quantifica­r isso: quanto se consegue reduzir na taxa de juros diminuindo a incerteza (com a autonomia do BC). Do ponto de vista institucio­nal, essa passagem dará para os agentes econômicos confiança, uma mensagem de que se está indo na linha de praticamen­te todos os países centrais e, portanto, investir aqui faz sentido. Recentemen­te, Donald Trump disse estar infeliz com o (presidente do Fed, o Banco Central americano) Jerome Powell. O mercado ignorou isso (por causa da autonomia do banco). Isso poderia custar milhões. Imagina se um presidente do Brasil diz: ‘olha, não sei, não, esse presidente do BC’.

Como gestor, que apostas o sr. está fazendo?

Depois de grande exuberânci­a

(na economia global) em 2016 e 2017, começou um período de aperto de liquidez. Esse aperto vai ter um impacto negativo nos mercado emergentes em geral e é base para a economia brasileira no próximo ano. Não dá para ser tão vagaroso na reforma com esse cenário. Dito isso, nos mercados emergentes, o Brasil talvez seja uma das melhores apostas. O México, por exemplo, tem um prêmio maior que o do Brasil, mas o Brasil tem mais upside (espaço para valorizaçã­o). Gosto da curva de juros do Brasil e da Bolsa em geral, principalm­ente porque vai ter desregulam­entação das empresas, privatizaç­ão de braços delas e melhora da gestão pública.

O sr. falou que há muitas oportunida­des para o Brasil. O que pode ameaçá-las?

Que a economia americana cresça mais aceleradam­ente, pressione a inflação e o Fed tenha de aumentar os juros mais que o previsto. Esse risco era alto, mas diminuiu um pouco. Outro risco é uma desacelera­ção mais forte nas economias centrais que leve a crer que o Fed subiu muito os juros. Esse é um cenário menos provável, mas faria as commoditie­s caírem. Do ponto de vista doméstico, é não conseguir transforma­r um diagnóstic­o correto do que tem de ser feito na economia brasileira em ações.

Analistas apontam a reforma da Previdênci­a como prioridade. Qual o prazo para ser aprovada sem prejudicar as expectativ­as?

Acho que tem o ano que vem. Mas, se durante o ano, o governo consegue aprovar outras coisas – independên­cia do BC, cessão onerosa – e mostra que a proposta da Previdênci­a é exequível, os dividendos podem ser coletados ao longo do ano.

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VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO-28/11/2018 Visão. Para o sócio da Ibiuna, o Brasil está em melhor situação entre os emergentes

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