O Estado de S. Paulo

Mouse, 50

Com futuro incerto, acessório que revolucion­ou há meio século a interação entre pessoas e máquinas perde espaço, na era da ‘computação ambiental’, para gestos, voz e realidades virtual e aumentada

- Bruno Romani

Acessório faz meio século (na foto, um protótipo) com futuro incerto.

Há 50 anos, o modo como as pessoas interagem com as máquinas foi profundame­nte alterado. Era 9 de dezembro de 1968, quando Douglas Engelbart, pesquisado­r do Stanford Research Institute, apresentou para uma plateia de mil engenheiro­s em San Francisco (EUA) um pequeno dispositiv­o que permitia apontar para qualquer objeto virtual numa tela de computador. “Não sei o porquê, mas nós o chamamos de ‘mouse’. Às vezes, eu me desculpo por isso. Mas começamos o chamando dessa maneira e nunca mudou”, disse ele durante a apresentaç­ão.

O impacto da apresentaç­ão foi tão forte, que ela passou a ser conhecida como “Mother of All Demos” – a mãe de todas as demonstraç­ões tecnológic­as que vieram a seguir. Como se fosse um viajante do futuro, Engelbart, morto em 2013, não apresentou apenas o mouse, mas também o conceito de computador­es conectados, hiperlinks, janelas virtuais, videoconfe­rência e documentos online colaborati­vos.

Meio século depois, o relacionam­ento das pessoas com o aparato digital vive outra revolução. “Antes do mouse, o mundo digital, que era unidimensi­onal, passou a ser bidimensio­nal. Agora, estamos caminhando para um universo tridimensi­onal”, diz Rico Malvar, responsáve­l pela divisão de pesquisas da Microsoft.

Em outras palavras, o mouse inaugurou a ideia de que a tela dos computador­es tem duas dimensões, com eixos X e Y, nos quais é possível movimentar-se livremente. Antes dele, as máquinas apenas exibiam linhas de texto rígidas, e a melhor forma de comunicaçã­o entre homem e computador eram os “punch cards” – pedaços de papel furadinhos que transmitia­m informaçõe­s.

A terceira dimensão, que se apresenta agora e promete ditar o comportame­nto do futuro, indica que o mundo digital reconhecer­á profundida­de, além de altura e compriment­o. Isso significa o fim da tela dos dispositiv­os e a entrada em cena de gestos, voz, sensores e os mundos virtuais e aumentados. É o começo do que é chamado de “computação ambiental” – todo o ambiente entende e interage com as pessoas.

Exemplo disso são as caixas de som inteligent­es, que conversam com os usuários e já dão os primeiros passos rumo à popularida­de. Segundo um estudo da Adobe, 32% dos consumidor­es dos EUA já têm um dispositiv­o do tipo em casa. Esse número deve saltar para 48% após o Natal. Em janeiro deste ano, apenas 14% tinham o equipament­o. Isso sem contar a presença de assistente­s virtuais de voz em celulares, tablets e PCs.

A máquina enxerga você.

“As novas interfaces permitem que o computador enxergue as pessoas de forma mais sofisticad­a. A tendência é que nos vejam como realmente somos: uma mistura de voz, imagem, gestos e até emoções”, diz Lucia Vilela Leite Filgueiras, professora do departamen­to de engenharia de computação e sistemas digitais da escola politécnic­a da Universida­de de São Paulo (USP).

Ao perceber humanos de maneira mais complexa, os sistemas digitais poderão oferecer respostas igualmente complexas, antecipand­o necessidad­es. Se anteriorme­nte era necessário um processo de dez passos com o mouse para acessar, por exemplo, “músicas preferidas para noites alegres”, as novas interfaces poderão fazer isso sem que o usuário precise dar um único passo. E se a máquina estiver errada, o curso para correção pode ser um único comando.

Por trás de tudo isso, está a inteligênc­ia artificial, segmento que empolga o mundo tecnológic­o – a receita global do setor deve chegar a US$ 105,8 bilhões em 2025, segundo a consultori­a Tractica. Especialis­tas acreditam que o que alimentará tudo isso serão computador­es quânticos, máquinas tão poderosas que sequer existem.

Fim?

Com ambientes inteligent­es e dispositiv­os que nos entendem, o mouse vai morrer? “Ele ainda é produtivo, mas deve sumir primeiro do grande público. Depois de áreas mais especializ­adas”, diz Plínio Aquino, professor do departamen­to de ciência da computação do Centro Universitá­rio da FEI.

E o que pode substituí-lo? Tem quem acredite em implantes de chips ou dispositiv­os acoplados

ao corpo humano. Outros imaginam pequenos drones nos acompanhan­do o tempo todo. Há ideias de projeções em superfície­s ou até diretament­e nos olhos. O importante é que seja uma linguagem tão natural quanto os eixos apresentad­os pelo mouse – crianças já sabem mexer em tablets e smartphone­s antes mesmo de escrever e até andar.

Embora ninguém saiba exatamente o que nos aguarda, Malvar lembra que vale olhar para o legado deixado por Engelbart: “Pense bem na frente. Implemente com a tecnologia que você tem, pois ela vai mudar no futuro. E imagine a experiênci­a mais natural possível.”

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THE NEW YORK TIMES Início. Douglas Engelbart (esq.) demonstra suas pesquisas, incluindo uma das primeiras versões do mouse (abaixo); a patente do dispositiv­o (dir.) foi publicada em 1970
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 ??  ?? Pop. Os mouses coloridos da Apple deram charme ao acessório
Pop. Os mouses coloridos da Apple deram charme ao acessório
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O primeiro. Protótipo do mouse feito em 1963

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