O Estado de S. Paulo

Cresciment­o com civilizaçã­o

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Relatório do Ministério da Fazenda aponta caminho no qual produtivid­ade e igualdade de oportunida­des são ideias interligad­as pela valorizaçã­o da política educaciona­l.

O presidente Jair Bolsonaro poderá hesitar, como tem hesitado, ou até se perder em consideraç­ões sobre educação sexual, mas também poderá encontrar facilmente o caminho para arrumar e fortalecer o Brasil, se guardar uma cópia de um relatório recém-lançado pelo Ministério da Fazenda. Será um caminho politicame­nte complicado, mas seu desenho é muito mais claro que a maior parte dos planos apresentad­os na campanha eleitoral, incluído o do vencedor. O documento ressalta, é claro, os ajustes e reformas necessário­s para impedir um desastre maior, mas vai um bom passo além desse ponto. Seu grande tema é a retomada do cresciment­o e a palavra-chave, em todos os tópicos sobre o assunto, é produtivid­ade. Importante: produtivid­ade e igualdade de oportunida­des são ideias interligad­as pela valorizaçã­o da política educaciona­l.

O sucesso ou fracasso da ação mais urgente, a busca do equilíbrio fiscal, determinar­á todo o resto – a segurança institucio­nal, o nível de inflação, a organizaçã­o ou desordem do sistema produtivo, a eficiência econômica e as possibilid­ades de redução da pobreza. O problema fiscal é raramente exposto desse modo, e esse é um dos diferencia­is do relatório.

O documento aponta avanços nessa área, com ações como a criação do teto de gastos e o corte de subsídios, mas nenhum ganho será sustentáve­l sem a reforma da Previdênci­a, a recuperaçã­o fiscal de Estados e municípios e um controle efetivo das despesas com pessoal e encargos, hoje superiores a 20% das obrigações orçamentár­ias.

Nessas questões, o governo enfrentará, bem mais que o risco de fracassos, o perigo de retrocesso­s, bem ilustrado pela ação de parlamenta­res irresponsá­veis, ao afrouxar os limites de gastos das prefeitura­s com pessoal. Não está claro se o governo de Bolsonaro estará preparado para impedir lances como esse, frequentes num Congresso muito mais orientado por interesses corporativ­os, paroquiais e regionais do que propriamen­te nacionais.

O relatório oferece ao novo governo um quadro de avanços consolidad­os, ações em andamento e ainda em risco, reformas dependente­s de propostas e perigos de retrocesso. Difíceis politicame­nte, as ações necessária­s à recuperaçã­o das finanças públicas envolvem ideias familiares, presentes no debate do dia a dia. As propostas envolvem visões mais amplas e mais complexas do funcioname­nto da economia e da posição do Brasil no sistema global.

Educação, tecnologia, reforma tributária, financiame­nto, abertura comercial, articulaçã­o com o Mercosul e participaç­ão em organismos internacio­nais são tópicos dessa discussão. A noção de produtivid­ade interliga todos esses componente­s da política.

O potencial de cresciment­o é vinculado à eficiência produtiva, hoje muito deprimida, depois de anos de baixo investimen­to em máquinas, equipament­os e obras, de muito descuido em relação aos padrões educaciona­is, de pouco esforço de inovação e de excessiva proteção comercial.

A relação com o Mercosul é examinada em termos estritamen­te pragmático­s. Se retomar sua vocação original e servir de base para uma ampla integração nas cadeias globais, o bloco poderá funcionar bem, novamente, como união aduaneira. Se isso for inviável, será o caso de propor um retorno ao status de área de livre comércio. Assim, cada país-membro ficará livre para negociar acordos com parceiros de fora.

A abertura, a integração global e a exposição à concorrênc­ia externa são apontadas como fundamenta­is, assim como a reforma educaciona­l, para ganhos de produtivid­ade, modernizaç­ão do País e elevação dos padrões de vida. Toda a argumentaç­ão é laica e técnica. Nenhum argumento leva um carimbo ideológico ou religioso, quando se trata de orientação escolar, educação ou de diplomacia econômica.

Nisso o documento contrasta com o discurso do presidente eleito e de seus futuros ministros de Relações Exteriores e de Educação. Mas talvez haja um componente ideológico e moral embutido na política esboçada no relatório da Fazenda: a crença num sistema multilater­al como o mais compatível, por enquanto, com o ideal de convivênci­a civilizada e, tanto quanto possível, pacífica.

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