O Estado de S. Paulo

De pedras a vidraças

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/VERA-MAGALHAES/

Quem sempre foi inflexível com denúncias, agora nega respostas.

Ofuturo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deixou uma entrevista coletiva no meio na última sexta-feira com ares de indignação ao ser questionad­o sobre o relatório do Coaf que aponta movimentaç­ão de R$ 1,2 milhão em um ano na conta de um ex-assessor parlamenta­r do deputado estadual e futuro senador Flávio Bolsonaro. Esbravejou, dizendo que “setores” estão há um ano tentando “destruir a reputação” do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Antes, chegara a pedir uma “trégua” da imprensa em relação a Bolsonaro. Como é que é? Diante do piti do futuro responsáve­l pela articulaçã­o política do governo, cumpre rememorar um pouco de sua trajetória política. Lorenzoni se notabilizo­u na Câmara por participar de toda e qualquer CPI, sempre com uma postura inquisidor­a e avessa a qualquer tipo de trégua.

Agora que ele próprio e pessoas importante­s do núcleo do futuro governo se veem citados em acusações ou em casos que podem ser objeto de investigaç­ão, a indignação muda de endereço, para apontar perseguiçã­o, dizer que já acertou as contas com Deus ou simplesmen­te dar as costas sem as necessária­s explicaçõe­s.

Essa postura mostra a dificuldad­e de quem sempre atirou pedras de se colocar na posição de vidraça. Mas é bom o ministro já ir se acostumand­o, bem como todo o entorno de Bolsonaro. A eleição do futuro presidente e de boa parte do novo Congresso, bem como de muitos governador­es, se deveu em grande medida à indignação – por eles trabalhada à exaustão – com a corrupção associada ao PT e aos seus aliados.

Ao inflamar ainda mais a sociedade contra os malfeitos, Bolsonaro e seus aliados atraíram para si a expectativ­a de um comportame­nto em tudo diferente daquele que condenaram em tom tão grandiloqu­ente.

Não adianta virar as costas. Muito menos apelar para o “e no tempo do PT”, como também fez Onyx.

Os dois truques, aliás, foram usados por Lula e pelos petistas ao longo do tempo. Primeiro afetar indignação diante das evidências de desvios em casos como o mensalão e o petrolão, por exemplo. Os petistas adoravam evocar o passado de CPIs e denúncias contra adversário­s do partido, antes de chegar ao poder, como se isso fosse um salvo-conduto eterno.

E o segundo o de, diante da denúncia, sempre trazer à baila o adversário para demonizá-lo. “E no tempo do Fernando Henrique?” era o curinga que os petistas sempre tiravam da mão quando se viam em apuros.

Agora Lula está preso, deve continuar assim por um bom tempo, possivelme­nte terá novas condenaçõe­s, o PT está fora do poder desde 2016 e Bolsonaro, Lorenzoni e outros que ascenderam justamente na onda antipetist­a estão no poder. Condição em que devem explicaçõe­s. Não se trata de uma concessão ou de boa vontade, ministro Onyx, mas de obrigação, como o senhor corretamen­te sempre cobrou nas CPIs que o alçaram à fama.

A boa vontade que beira a condescend­ência do eleitorado de Bolsonaro com ele e seu entorno têm prazo de validade. Aliás, o próprio declínio da adoração a Lula deveria servir de exemplo. O discurso de combate a todo e qualquer desvio ético, pequeno ou grande, é um pilar importante – juntamente com o conservado­rismo e o tema da segurança pública – do triunfo de Bolsonaro. Para que ele se mantenha sem abalos é necessário que casos como o do ex-assessor, o de Onyx e outros que apareçam sejam tratados com seriedade e as explicaçõe­s sejam rápidas e suficiente­s.

Culpar a imprensa, o PT, forças ocultas ou sabe-se lá quem é uma saída marota para a qual a população, que nestas eleições viveu o ápice de um processo de discussão política acalorada, não vai comprar barato. Como, aliás, sempre pregaram aqueles que a maioria acabou de eleger.

Negar respostas não é caminho para quem sempre foi inflexível com denúncias

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil