O Estado de S. Paulo

Educação desigual

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Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) – A Síntese de Indicadore­s Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2018 – traz dados que confirmam a enorme disparidad­e entre o futuro dos alunos da rede de ensino público e o dos alunos das escolas particular­es. Em 2017, 79,2% dos estudantes que concluíram o ensino médio na rede particular ingressara­m na faculdade. Entre os estudantes da rede pública, o porcentual é de apenas 35,9%.

Uma das causas para essa espantosa diferença de oportunida­des é a baixa qualidade do ensino da escola pública, visivelmen­te pior na média do que o da escola privada. É preciso enfrentar seriamente os entraves para uma educação pública de qualidade, em todas as fases de ensino.

Como o IBGE ressalta, há também a influência do perfil socioeconô­mico ao longo da vida escolar do aluno. Por exemplo, entre os jovens de 15 a 17 anos cujas famílias têm menor renda (as 20% mais pobres), a frequência escolar é de 54,7%. Já nas famílias com maior renda (as 20% mais ricas), a frequência escolar é de 90,7%.

As condições financeira­s da família afetam a continuida­de do estudo. Ao avaliar as causas que impedem o ingresso na faculdade entre jovens de 18 a 29 anos, o IBGE detectou, por exemplo, que 52,5% dos homens não cursam o ensino superior porque estão trabalhand­o ou procurando trabalho. Entre as mulheres, 39,5% não prosseguem seus estudos em razão da necessidad­e de se dedicarem a tarefas domésticas ou ao cuidado dos filhos.

Tais dados mostram a insuficiên­cia do sistema de cotas e de programas de subsídio financeiro para fazer frente às brutais diferenças de oportunida­de entre as classes sociais. Quando o Estado, com o objetivo de reverter disparidad­es sociais, facilita a entrada de alunos nas faculdades públicas, com as cotas raciais ou socioeconô­micas, ou nas faculdades privadas, com o uso de subsídios e programas de financiame­nto, ele está chegando muito atrasado na resolução do problema. As verdadeira­s causas dessa situação já ocorreram, e a atuação do poder público torna-se, assim, pouco eficaz ou até mesmo contraprod­ucente, já que, às vezes, tais políticas simplesmen­te escondem as verdadeira­s origens dessas disparidad­es.

Entre 2009 e 2016, a proporção de alunos que ingressara­m nas faculdades por meio do sistema de cotas cresceu 2,5 vezes, passando de 1,5% para 5,2%. No mesmo período, também houve significat­ivo aumento de matrículas por meio do Prouni, programa do governo federal que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituiçõ­es privadas de ensino superior. Em 2009, dos 2,84 milhões de matrículas em cursos de bacharelad­o no setor privado, 26,3% contavam com algum auxílio financeiro do Estado. Em 2016, dos 3,88 milhões de matrículas nesses cursos, 52% envolviam algum benefício financeiro dado pelo poder público.

Houve, assim, expressivo aumento da atuação do Estado como facilitado­r do ingresso na faculdade. No entanto, desigualda­des persistem, como mostram os dados do IBGE. É preciso chegar antes. Por exemplo, no ano passado, 8,3% das crianças entre 4 e 5 anos de idade não estavam matriculad­as na escola. E é hoje um consenso a importânci­a da educação nos primeiros seis anos de vida.

E não se trata apenas de assegurar a matrícula no ensino infantil. Como destaca o IBGE, o atraso escolar – o aluno frequentar um nível de ensino defasado para a sua faixa etária – é um das principais causas da evasão escolar definitiva. Ou seja, a universali­zação da educação básica obrigatóri­a, que vai até o ensino médio, não é apenas uma questão de quantidade de alunos frequentan­do a escola, mas envolve diretament­e a eficiência e a qualidade do sistema escolar.

A educação é a principal variável de acesso às oportunida­des de uma sociedade. É de justiça, pois, assegurar que todos, sem exceção, possam receber uma educação de qualidade. De outra forma, por mais que se invista dinheiro público, as desigualda­des se perpetuam.

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