O Estado de S. Paulo

‘Não acho que Bolsonaro tenha um projeto de País’. Luciano Huck

Para Luciano Huck, Bolsonaro não indica que vai dar prioridade a um projeto de redução da desigualda­de social

- Eduardo Kattah Gilberto Amendola

O apresentad­or e empresário Luciano Huck diz não enxergar nas propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro “um projeto de País”. Embora afirme que Bolsonaro “não enganou ninguém” durante a eleição e defenda um voto de confiança no futuro presidente, Huck cobra um plano de redução da desigualda­de para o País “não ficar andando de lado para sempre”. O apresentad­or já admitiu que não tem mais como sair da “caixinha” da política, onde entrou quando passou a ser cotado como um potencial “outsider” na disputa presidenci­al deste ano. Após muitas especulaçõ­es, ele não aceitou entrar na arena eleitoral. Nesta entrevista ao Estado, Huck admite que centro está convergind­o para um novo partido e comenta as acusações contra o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

• Em entrevista recente ao ‘Estado’, você disse que não conseguiri­a mais voltar "para a caixinha que estava". Qual será seu próximo passo na política? Vai se filiar a algum partido?

Minhas intenções não mudaram. Minhas movimentaç­ões nesse último ano e meio nunca foram um projeto político, pessoal, uma coisa personalis­ta no sentido de algo que eu estivesse fazendo ao meu favor. Desde o começo foi uma convocação geracional. E eu acho que ela segue sendo assim. Estou há 19 anos viajando o País muito intensamen­te – de todos os cantos e todos os recortes. Isso ninguém tira de mim. Você pode fazer mestrado em Harvard, mas isso você não vai aprender. E o que me incomoda, há algum tempo e de maneira bem franca, é a desigualda­de que a gente tem no País. Então se a gente não tiver um projeto claro e bem desenhado de redução de desigualda­des esse País vai ficar andando de lado pra sempre. Acho super legal as iniciativa­s do terceiro setor e de filantropi­a. Por outro lado, só quem vai ter o poder, de fato, de reduzir a desigualda­de

no País é o Estado. Quem toca o Estado é a política.

O tema da desigualda­de passou ao largo na última campanha...

Acho que ficou muito claro nessa eleição que as pessoas estavam sedentas por coisas novas. Acho que o Bolsonaro é a cristaliza­ção, a materializ­ação desse inconformi­smo, dessa descrença da política como um todo. Mérito dele. Está eleito presidente. Mas eu não enxerguei na campanha como um todo, de todos os candidatos, e sigo não enxergando, um projeto de País. Eu não consigo ver. A gente fica discutindo aqui a fiação e o encanament­o, mas não as reformas estruturai­s necessária­s, que todos concordam, e que são necessária­s para o País não quebrar. Mas são discussões de calculista. Não enxergo qual é o projeto de País. E nas agendas que dependem da crença pessoal do Bolsonaro, ele também não está mentindo. A chancelari­a, por exemplo, eu posso não concordar. A educação, que quando ele chegou a aventar o nome do Mozart (Neves Ramos ), eu disse “caramba bicho!” eu vou festejar o Bolsonaro... Mas, não, ele foi para um caminho que é o que ele pensa.

Não enxerga um projeto de País no futuro governo Bolsonaro?

A gente vive em uma democracia. Ele ganhou a eleição. A eleição

está ganha. Ele vai fazer o governo dele com as coisas que ele acredita. Eu acho de verdade que, nesse momento, não é para fazer oposição. Eu acho que a gente tem que dar um voto de confiança para quem ganhou. A beleza da democracia é que a votação é individual, mas a responsabi­lidade pelo resultado é coletiva. Ele ganhou a eleição legitimame­nte. Não é hora de fazer oposição. É hora de ter diálogo, é hora de conversar. Não acho que o Bolsonaro enganou ninguém. Ele está fazendo exatamente o que falou que ele ia fazer. A equipe econômica é uma equipe extremamen­te competente, liberal, com uma cabeça boa, comprometi­da e com nomes muito bons, começando pelo Paulo (Guedes) de quem eu tenho muito respeito e gosto.

Mas você vê no Bolsonaro um projeto de País?

Eu acho que não. E não estou falando isso como uma coisa negativa. Acho que ele não teve nem tempo. Ele ganhou a eleição agarrado no cangote, com 7 segundos de televisão, sem dinheiro... Ganhou na raça e na marra. Eu não acho que ele tenha um projeto de País, mas as pautas com as quais ele ganhou a eleição, ele vai poder atuar. O Sérgio Moro, de quem eu gosto e tenho muito respeito, acho que ele tem várias funções nesse governo. Primeiro, para quem colocava em xeque a democracia, sob o ponto de vista das coisas que o Bolsonaro disse no passado... o Sérgio Moro é um legalista. Quando você põe um legalista como ministro da Justiça com o poder que ele tem, está claro que as leis serão seguidas. E do outro lado, uma agenda liberal na economia que ele pode fazer virar realidade. Precisa de uma agenda eficiente por um lado, mas ela tem que ser afetiva. Se você não tiver uma agenda social muito focada, com prioridade­s claras, o País vai continuar sendo desigual. A redução de desigualda­de é um problema enorme e de solução complexa. Precisa ser prioridade, mas acho que não vai ser nesse caso.

• Em pautas como flexibiliz­ar o estatuto de desarmamen­to, Escola sem Partido e meio ambiente, há risco de retrocesso?

Vejo risco de retrocesso. Na educação, vejo. A evolução que a gente teve nos últimos 20 anos no Brasil chegou em um nível tão bacana que você pega todos que estudam a educação hoje está tudo meio em um consenso, os discursos estão meio parecidos. Todo mundo sabe os nossos problemas. O nosso problema hoje é o de subir o sarrafo da qualidade. Hoje em dia é qualificar e avaliar professor, é combater evasão escolar, é você fazer alfabetiza­ção no tempo correto, é você transforma­r a escola no epicentro da cidade e da sociedade. Está todo mundo nesse caminho. Agora, a cabeça que o Bolsonaro colocou ali... Para mim, discutir escola sem partido agora é uma bobagem tão grande.

• O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemen­te que é preciso criar um ‘centro radical’; políticos como o Paulo Hartung têm liderado conversas...Esse é o seu campo político?

Tenho conversado muito com o Paulo. E eu acho que o que ele fez no Espírito Santo é uma referência importante de gestão pública para o Brasil. O Hartung tem essa caracterís­tica de não levantar bandeiras e de querer juntar gente boa. O presidente Fernando Henrique, como sempre, é alguém muito lúcido. Acho que essa reorganiza­ção partidária vai ser necessária, por causa da cláusula de barreira, por causa de uma série de coisas que estão acontecend­o. Eu acho que o centro vai sim se organizar...

Em um novo partido?

Eu acho que sim. Está convergind­o pra isso. Os dois maiores ativos que os partidos pequenos tinham para sobreviver era tempo de televisão e Fundo Partidário. Eles perderam.

Os partidos tradiciona­is fracassara­m?

Eu acho que sim. Tem um ciclo partidário que acabou. Você vê pela renovação. O partido do presidente que até ontem era um partido pequeno, hoje tem 52 deputados. Você tem o PT, merecidame­nte, que perdeu sua relevância. O PSDB não soube dar poder as suas novas lideranças e se colocar de um jeito atuante e reto nas discussões dos últimos anos...

Mantém relações com Aécio Neves?

Não falei mais com o Aécio desde que as acusações que recaem sobre ele vieram à tona. Não me orgulho, nem celebro isso, mas julguei que era o melhor a fazer neste momento. Ao longo das últimas décadas ele teve um papel inegavelme­nte relevante na política brasileira, no Congresso, em Minas e no Brasil, a ponto de ter tido mais de 50 milhões de votos nas eleições de 2014. No âmbito pessoal, também estivemos próximos. Por isso e por desconhece­r e sequer imaginar, fiquei bastante surpreso e decepciona­do com os fatos que vieram à tona. Agora cabe a ele provar sua inocência e ao tempo cicatrizar as feridas. Apanhei muito publicamen­te por erros que nada têm a ver comigo.

• Como vê a prisão do ex-presidente Lula e todo o processo que envolve ele e o PT?

Eu fico muito triste em ver uma figura como o Lula, que teve a relevância mundial do Lula, que teve uma agenda social ativa e que se materializ­ou em vários projetos que melhoraram a vida das pessoas, preso. Mas tá claro, também, por outro lado, que ele não está preso por acaso. Ele está preso por provas muito relevantes e contundent­es do que o PT não só aparelhou o Estado como criou uma rede de corrupção para sustentar um projeto político em que muita gente enriqueceu. Não sei se foi o caso do ex-presidente, mas muita gente. Ficou claro que o PT instalou uma quadrilha que assaltou os cofres públicos, que assaltou o erário. Os fins não justificam os meios. Por mais que o PT tenha tido uma agenda social com um olhar importante, isso não significa que você possa roubar o Estado.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO PT. Huck diz que fica triste com a prisão de Lula, mas que ela não ocorreu ‘por acaso’

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