O Estado de S. Paulo

A guerra inevitável entre EUA e China

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Enquanto os presidente­s Donald Trump e Xi Jinping firmavam uma trégua de 90 dias na guerra comercial em Buenos Aires, no outro extremo do continente americano, em Vancouver, a prisão da diretora financeira da empresa chinesa Huawei, na noite do sábado, dia 1.º, escancarav­a a realidade: os interesses de Estados Unidos e China são inconciliá­veis.

Depois do encontro, Pequim se manteve em silêncio, funcionári­os americanos indicaram que o acordo não era tão abrangente quanto Trump acreditava e o próprio presidente ameaçou retomar a guerra se a negociação não progrediss­e: “Sou um homem de tarifas”. Sua credencial é impecável: ele sobretaxou produtos chineses no valor de US$ 250 bilhões.

Diante desse quadro sombrio, as ações tiveram a maior queda de 2018 nos EUA, com impacto negativo sobre outros mercados. Trump e o governo chinês tentaram, então, na quarta-feira, demonstrar otimismo com uma saída negociada.

Neste momento, a prisão de Meng Wanzhou, ocorrida cinco dias antes, e sua possível extradição do Canadá para os EUA, foram noticiadas. Um porta-voz da chancelari­a chinesa exigiu a imediata libertação de Meng, uma figura pública na China, filha do fundador da Huawei.

Ataques diretos.

Os EUA acusam a Huawei de violar as leis americanas, fornecendo tecnologia sensível de telecomuni­cações para o Irã, parte da qual foi produzida por empresas americanas. Americanos e europeus também acusam os chineses de embarcar chips nos celulares, tanto da Huawei quanto da ZTE, para espionar os outros países.

A Huawei é a maior fabricante de celulares da China e segunda maior do mundo, depois da sul-coreana Samsung. É ainda líder mundial na fabricação de equipament­os de rádio para a transmissã­o de dados e na tecnologia 5G.

De acordo com um estudo da consultori­a americana Stratfor, a Huawei ocupa posição de destaque em desenho de chips, aparelhos celulares e infraestru­tura de rede. Só duas outras empresas no mundo disputam a liderança nesses três segmentos: a ZTE e a Samsung, que desponta ainda na fabricação de chips.

A Apple figura entre os líderes em desenho de chips e aparelhos. A Intel, em desenho e fabricação de chips. A também americana Broadcom, em desenho de chips e RF front band (a rede de circuitos da antena ao receptor). Outra chinesa, a Spreadtrum, também encabeça o desenho de chips.

Globalizaç­ão.

A interdepen­dência nesse setor é notável. Dos 92 principais fornecedor­es da Huawei, 33 são americanos, incluindo a Intel. Sem contar a holandesa NXP, que tem fábricas nos EUA. Apenas 29 são da China ou de Hong Kong.

De acordo com a Associação da Indústria de Semicondut­ores, dos EUA, uma de suas filiadas tem mais de 16 mil fornecedor­es, dos quais 8,5 mil são de outros países. Os chips estão

“Estados Unidos e China não escaparão da armadilha se mantiverem a diplomacia usual. Terão a história usual. Seremos mais burros do que na 1.ª Guerra”

Graham Allison Jr. HISTORIADO­R AMERICANO E AUTOR DO LIVRO ‘A ARMADILHA DE TUCÍDIDES’

presentes em tudo o que tem valor econômico e estratégic­o. O resultado da disputa por espaço nesse setor tem implicaçõe­s de toda ordem.

A emergência da China assinala o fim de um período em que os EUA exerceram sozinhos a hegemonia mundial, desde a dissolução da União Soviética, em 1991. Em seu recente livro A Armadilha de Tucídides, o historiado­r americano Graham Allison Jr. contabiliz­a que, nos últimos 500 anos, houve 16 processos como esse, dos quais 12 levaram a guerras.

Assisti em maio a um seminário de Allison na Universida­de de Fudan, em Xangai, no qual ele alertou: “EUA e China não escaparão da armadilha se mantiverem a diplomacia usual. Terão a história usual. Seremos mais burros do que na 1.ª Guerra.”

Afinal, raciocina Allison, “estudamos a história para não repeti-la”. No ponto em que estamos, a dissuasão nuclear, que evitou uma grande guerra desde 1945, está se provando eficaz mais uma vez. A guerra comercial entre EUA e China é o substituto de uma guerra de verdade. Por isso mesmo, ela parece inevitável.

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ALEXANDER BIBIK/REUTERS Ameaça. Meng Wanzhou, diretora da Huawei: prisão acirra confronto entre EUA e China
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