Procura-se líder contra o aquecimento
O maior desafio na cúpula do clima não está na criação do chamado ‘livro de regras’, mas em estabelecer um defensor do Acordo de Paris
Preocupação
“Por qual motivo as mudanças climáticas estão ocorrendo de forma mais rápida que nossa ação? Falta uma liderança forte.”
Antonio Guterres
SECRETÁRIO-GERAL DA ONU
Enquanto diplomatas se reúnem em Katowice, na Polônia, para a 24.ª Conferência do Clima (COP), a fim de tentar avançar na implementação do Acordo de Paris, nos corredores da Organização das Nações Unidas (ONU) a percepção é de que o maior desafio não está na necessidade de criar o chamado “livro de regras” – o principal objetivo desta reunião. Negociadores mostram preocupação com a falta de um líder que conduza a comunidade internacional a acelerar a adoção de medidas para conter o aquecimento global.
Ao Estado, experientes negociadores admitem que o “déficit de liderança” tem sido o principal obstáculo. O temor não é de que países abandonem oficialmente o acordo, gesto extremo até agora só iniciado pelos Estados Unidos. “O principal risco é de o acordo ser, em silêncio, ignorado pelos governos, sem nunca ter cumprido sua função”, alerta um diplomata.
“Apesar de terem se passado só três anos desde que o acordo foi fechado, hoje temos um mundo bastante diferente do que aquele que o favoreceu”, afirma Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e especialista nas negociações climáticas.
Países que lideraram as negociações na época abandonaram o barco ou enfrentam dificuldades para manter o mesmo tipo de atuação. Nos Estados Unidos, Donald Trump já deixou claro que não pretende cumprir os compromissos assumidos por Barack Obama. Na Alemanha, Angela Merkel está prestes a deixar o comando, enquanto há disputa interna para saber quem será sua sucessora. Assuntos climáticos, portanto, poderão ser adiados para 2020.
Na França, Emmanuel Macron vê nas ruas o preço da transição energética, com parte da população se recusando a pagar mais impostos. No Reino Unido, o debate foi enterrado enquanto Londres se mobiliza para sair da União Europeia.
A China poderia assumir essa posição. Maior emissor de gases estufa, o país embarcou para valer no esforço após acordo bilateral com os Estados Unidos de Obama, ainda antes da COP de Paris. E assumiu o papel de defender acordos multilaterais após a vitória de Trump. Mas também passou a ser alvo de
pressões internas com a guerra comercial contra Washington. “É uma espécie de nova Guerra Fria, que aumentou muito o nível de conflito no sistema e isso enfraquece muito as condições para que haja cooperação em qualquer área”, diz Viola.
Para o cientista político, porém, a China não poderia assumir essa liderança. “Eles têm um
discurso cooperativo, mas a realidade é que enquanto suas emissões não entrarem em declínio, não têm como ser líderes nisso.”
Berço.
E o Brasil, berço da Convenção do Clima da ONU na Rio-92 e importante na costura do Acordo de Paris, pode ver no governo Jair Bolsonaro um não cumprimento de suas metas ou
até mesmo a saída do acordo. Antes mesmo de assumir, já causou mal-estar ao voltar atrás na oferta de receber a conferência de 2019. Também virou motivo de piada na conferência a declaração do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que mudanças climáticas são uma trama marxista.
Viola tem visão pragmática.
“Não realizar a COP no País é uma coisa, sair do acordo é outra. O ministro pode ter essa visão, mas os centros do poder do governo Bolsonaro – Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça) e os militares – sabem que a mudança climática é real. E forças econômicas sabem que o preço de sair do acordo pode ser bem alto.”