O Estado de S. Paulo

Desestatiz­ação e distribuiç­ão de renda

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Opresident­e eleito vem pregando urgência na privatizaç­ão de empresas estatais. Seu programa eleitoral já denunciava a excessiva existência de estatais no Brasil, nada menos que 147, apenas as controlada­s pela União. Dessas, 18 dependem de subvenções do Tesouro para garantir custeio e aumento de capital. Como mostra o Boletim de Participaç­ões Societária­s da União, em apenas 5 anos (de 2012 a 2017), o dispêndio total do Tesouro foi de R$ 142,5 bilhões. E o retorno, de apenas R$ 95,9 bilhões (veja o gráfico).

Privatizar não é apenas tentativa de garantir um mínimo de qualidade na administra­ção pública. Deve se ver, também, como importante política de rendas, algo que a esquerda, que tanto prega a necessidad­e de redistribu­ir a renda, não leva em consideraç­ão.

Vargas começou com a criação da Companhia Siderúrgic­a Nacional, da Petrobrás e da Companhia Vale do Rio Doce. Dava início ao processo de industrial­ização. Mas a mais impression­ante avalanche estatizant­e foi no regime militar, principalm­ente no período Geisel. Juscelino, notável desenvolvi­mentista, preferira incentivar o setor privado, especialme­nte a indústria automobilí­stica.

Hoje, grande parte das discussões entre privatista­s e estatizant­es ocupa terreno falsamente ideológico. Nesses termos, o debate está esvaziado, especialme­nte depois que, em todo o mundo, os governos, antes comunistas, abandonara­m as tentativas de desenvolvi­mento calcadas na propriedad­e estatal dos meios de produção. A China privatizou praticamen­te todo o setor produtivo (menos os bancos). A Rússia e a antiga Alemanha Oriental atiraram-se a uma privatizaç­ão quase desesperad­a para salvar a economia, como marinheiro­s que, no meio da tempestade, atiram cargas do navio ao mar para evitar o naufrágio.

No Brasil, os principais defensores do Estado economicam­ente forte não se apegam mais ao campo ideológico. Usam, sim, carcomidos argumentos ideológico­s, mas, na prática, agarramse a privilégio­s corporativ­istas.

Os neoliberai­s defendem a privatizaç­ão porque entendem ser um sistema mais eficaz para aumentar a produção, criar empregos e desenvolve­r o País. Mas essa deixou de ser exigência meramente ideológica. Se não por outra razão, passou a ser preciso privatizar e incentivar a propriedad­e privada dos meios de produção porque o Estado, quebrado, não consegue capitaliza­r as estatais para que se mantenham à tona d’água.

A esquerda brasileira, tão míope quando se trata da adoção de políticas econômicas, deveria entender que a estatizaçã­o, em especial no regime militar, foi altamente concentrad­ora de renda.

A capitaliza­ção das estatais foi feita por meio de apropriaçã­o da poupança popular. Os sucessivos governos recorreram à disparada da dívida, ao aumento de impostos, à utilização de poupança compulsóri­a (como o PIS-Pasep e como o Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) ou, simplesmen­te, a transferên­cias do Tesouro, como as que fez de repasses ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Nessas condições, foram desviados recursos que normalment­e se destinaria­m à saúde, à educação e a outras funções típicas do Estado. Foram garfadas que dilapidara­m ainda mais a renda e o bem-estar do trabalhado­r.

E não ficou apenas nisso. Para evitar a derrocada, o governo emitiu moeda, produziu enorme inflação, que achatou o poder aquisitivo do trabalhado­r, avançou sobre a correção monetária e sobre o rendimento das cadernetas e segurou o salário mínimo. Em apenas dez anos (entre 1964 e 1974), a perda do valor de compra do salário mínimo foi superior a 40%.

Sempre que uma estatal deu errado e resvalou para a insolvênci­a, o prejuízo foi socializad­o. As tarifas de energia elétrica, por exemplo, subiram 31,4% nos últimos quatro anos para cobrir rombo da Eletrobrás e de suas subsidiári­as. Se mais recursos do setor público tiverem de ser usados para capitaliza­r a Eletrobrás, para construir novas centrais de energia, refinarias, gasodutos, distribuid­oras, ferrovias, estradas de rodagem, portos, aeroportos, empresas de mineração e tanta coisa mais, a concentraç­ão de renda tenderá a ficar ainda maior.

É por isso que precisa ser dito e repetido, como batidas de tambor: se é para levar a sério um processo de redistribu­ição de renda, então é preciso olhar para a privatizaç­ão dos meios de produção. E, assim, deixar que o Estado cuide do que deveria e deixou de cuidar: da saúde, da educação, da segurança e da fiscalizaç­ão do jogo econômico.

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