O Estado de S. Paulo

‘Depois da lua de mel, vem a realidade’

Apesar de se mostrar entusiasma­do com Bolsonaro, investidor diz que problemas vão surgir para aprovar reformas

- Luciana Dyniewicz

Aos 82 anos, o guru dos mercados emergentes Mark Mobius está em uma nova empreitada. Após se aposentar da empresa de investimen­tos Franklin Templeton – na qual ficou mais de 30 anos e que o tornou conhecido mundialmen­te -, lançou o Mobius Capital Partners, que terá fundos de investimen­tos destinados a empresas de médio porte de países emergentes. Apoiador das medidas de Donald Trump, Mobius se mostra entusiasma­do com a Lava Jato e com o futuro governo de Jair Bolsonaro, apesar de apontar que a lua de mel entre investidor­es e o presidente eleito pode acabar em seis meses, quando aparecerem dificuldad­es para aprovar reformas no Congresso. O megainvest­idor esteve no Brasil na última semana para reuniões com o BTG, que distribuir­á seu fundo no País, e conversou com o Estado. Disse que a guerra comercial entre China e EUA será longa, e que o Brasil poderá se beneficiar disso. Leia os principais trechos da entrevista:

• Há uns meses, o sr. disse que os investidor­es viriam ao Brasil quando as incertezas políticas acabassem. Elas acabaram?

Agora há mais certezas. Pelo menos é a impressão no exterior. Os investidor­es sabem que Bolsonaro foi eleito e que ele tem uma agenda favorável aos negócios. Haverá uma lua de mel e depois a realidade se estabelece­rá. Talvez, em seis meses, as pessoas digam que tem um Congresso contra ele para fazer as reformas. Mas a maioria dos investidor­es dirá: ‘o progresso que ele fará será suficiente para mover a economia’.

• Os investidor­es vão esperar definições mais claras para vir ao Brasil?

Não. O mercado acionário no Brasil já subiu uns 30%. Os investidor­es perceberam e disseram: ‘melhor entrar lá, antes que suba mais’. Isso está acontecend­o agora.

• O País passou por uma de suas piores crises nos últimos anos. O sr. vê uma recuperaçã­o?

Definitiva­mente. Olhe a Petrobrás e o que ela tinha no passado para reformar, estamos falando de bilhões de dólares de economia para o governo. Esse é um exemplo. Se Bolsonaro for capaz de atacar a corrupção, o que já vem acontecend­o, será um grande impulso para a economia.

• Há outros problemas no País além da corrupção, como desemprego e falta de investimen­to.

Bolsonaro percebeu que primeiro tem de olhar para o Orçamento, reduzir os custos do governo. Quando isso acontecer, a confiança na moeda vai aumentar, e isso é positivo. Outra coisa é a reforma trabalhist­a. Isso também vai ser muito bom para os negócios, porque

significa liberaliza­r o mercado. As companhias vão responder a isso investindo mais.

• O sr. já comentou que seu fundo vai investir em empresas brasileira­s. Que empresas e setor está olhando?

Já investimos em uma do varejo. Estamos olhando uma empresa de internet e outra de manufatura.

Como estão os preços das empresas brasileira­s?

Elas estão muito baratas. Não só as brasileira­s, a maiorias das de mercados emergentes.

• Muitas dessas empresas estão baratas porque a moeda de seus países desvaloriz­ou por causa de crises financeira­s. Essas crises ficaram no passado?

Acabou. Vamos pegar a Argentina. (O presidente Mauricio) Macri está tentado fazer reformas. Eles tiveram de pedir ajuda ao FMI. Quando o FMI vem, ele força o País a mudar, a ter o orçamento em ordem. Esse é o momento para investir. Quando as coisas realmente parecem ruins, é preciso olhar o que virá: qual a intenção do governo? No Brasil, teve a Lava Jato, pessoas foram

para a cadeia por corrupção. Esse é o momento para investir no País.

• Quando Donald Trump anunciou uma trégua na guerra comercial, o sr. comentou que esse enfrentame­nto não acabou. Pode haver um acirrament­o?

Os americanos perceberam que (a guerra) não é apenas sobre comércio, é sobre transferên­cia de tecnologia, é sobre coisas que são injustas do ponto de vista americano. Acho que isso vai durar bastante.

• O sr. disse que o Brasil pode sair ganhando, mas uma guerra comercial pode desacelera­r a economia global, reduzir preços de commoditie­s e afetar o País negativame­nte...

Depende da relação do Brasil com os EUA. Muito da produção chinesa pode vir para o Brasil e, então, ser exportada para os EUA. Há ótimas empresas aqui e está mais caro produzir na China. Vocês terão boas oportunida­des.

• Trump deu o pontapé inicial nessa guerra. Como analisa o governo dele?

Ele está fazendo um bom trabalho. É preciso escutar o que ele diz. Ele diz que gostaria de ter livre comércio total, mas a relação (dos EUA) com a China é loucura. O mesmo com a Europa. Você quer exportar algodão americano para a Europa, tem 25% de taxas. O que é isso? A beleza de Trump é que ele está disposto a falar alto: ‘vamos sentar e mudar essas coisas agora’.

• Há quem compare Bolsonaro a Trump. O Brasil pode brigar com países como China mesmo sem ter a importânci­a dos EUA?

O Brasil é importante. Vocês são grandes exportador­es de matérias-primas. Bolsonaro pode fazer muito.

Elogio

“Trump está fazendo um bom trabalho. É preciso escutar o que ele diz. Ele diz que gostaria de ter livre comércio total, mas a relação (dos EUA) com a China é loucura.”

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-5/12/2018 Disputa. Para Mobius, Brasil pode sair ganhando com guerra comercial entre China e EUA

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