O Estado de S. Paulo

PRESO, GHOSN GANHA ATÉ OUTDOOR EM BEIRUTE

Nascido no Brasil e neto de libaneses, chefe da Renault, preso no Japão, é ‘herói nacional’ no Líbano

- Jamil Chade

’Sem humilhação’

“Ele salvou dezenas de milhares de empregos na França e no Japão. Se ele fez um erro, deve responder por ele. Mas não ser humilhado.”

Hady Hachem

CHEFE DE GABINETE DA CHANCELARI­A LIBANESA

Quando o embaixador do Líbano em Tóquio foi visitar o executivo Carlos Ghosn na prisão no primeiro dia, ele tomou uma decisão: compraria um colchão novo para seu compatriot­a. Dias depois, o governo libanês mandou entregar no centro de detenção a nova cama.

Nascido no Brasil neto de imigrantes libaneses, Ghosn se mudou ainda pequeno para o Líbano e, de lá, continuou seus estudos na França. Sua carreira como um dos principais executivos do mundo fez o que poucos tinham conseguido: unir as diferentes elites do pequeno país no Oriente Médio, que se alternavam em prestar homenagens ao “herói nacional”.

Agora, Ghosn é suspeito de ter usado unidades da Nissan na Europa para dissimular pagamentos de quase US$ 18 milhões para a compra de um imóvel de luxo num condomínio no Rio de Janeiro, além de uma casa em Beirute. O empresário que há quase duas décadas ajudou a orquestrar a união entre a francesa Renault e a japonesa Nissan foi preso no dia 19 de novembro, no Japão. Conhecido pela capacidade de cortar custos e recuperar negócios em crise, Ghosn, de 64 anos, é acusado de fraudar sua declaração de renda e de usar recursos corporativ­os para benefício pessoal.

No Líbano, porém, sua prisão se transformo­u em assunto nacional. E não é para menos. Em agosto de 2017, as autoridade­s do país decidiram abrir uma exceção e criar, pela primeira vez, um selo com a imagem de Ghosn. Durante a cerimônia, o presidente do LibanPost, Khalil Daoud, destacaria como um “empresário excepciona­l” levaria a empresa a ser a maior fabricante de carros do mundo.

Jamal Jarrah, ministro de Telecomuni­cações, insistiu: “todos os libaneses estão orgulhosos de você e estamos fazendo essa homenagem por você ser um verdadeiro libanês”, disse. “Você é o melhor embaixador do nosso país”.

Diante da nova situação, a ordem no governo foi a de não abandonar o aliado. Beirute convocou o embaixador de Tóquio para cobrar explicaçõe­s, um gesto diplomátic­o de desagravo.

Hady Hachem, chefe de gabinete na chancelari­a, ainda indicou que o governo está insistindo que ele tenha todos seus direitos respeitado­s e que possa ter contatos com familiares. “Ele salvou dezenas de milhares de empregos na França e no Japão. Se ele fez um erro, deve responder por ele. Mas não ser humilhado”, criticou.

‘Somos todos’.

Nesta semana, um empresário local decidiu bancar uma campanha e espalhou por Beirute 18 outdoors com o rosto de prisioneir­o e uma mensagem: “Somos todos Carlos Ghosn.”

Ao longo das últimas semanas, políticos libaneses se enfileirar­am para dar declaraçõe­s de apoio a Ghosn, entre eles o ministro do Interior Nouhad al-Mashnouk. Num comunicado, o ministro de Informação, Melhem Riachy, levantou suspeitas sobre o real motivo de sua prisão. “Precisa haver uma investigaç­ão. Algo não cheira bem”, escreveu.

Tão rápido quanto as promessas de defesa de seu “herói” foram as teorias conspirató­rias que surgiriam no país. Uma delas sugere que a prisão do executivo ocorreu por conta de sua insistênci­a em manter a exportação de carros para o Irã, um desejo da Renault e que acabou sendo abortada por conta das sanções.

Nem sempre a relação entre Ghosn e o Líbano foi tão estreita como dizem os políticos. Por anos, ele se manteve distante e sequer mantinha um endereço no país. Nos últimos dez anos, porém, o empresário começou a investir sua fortuna no país. Ele comprou uma marca de vinhos e anunciou um projeto imobiliári­o de luxo, com hotéis sofisticad­os, restaurant­e e apartament­os.

Não se escondia ainda o desejo de que, uma vez aposentado de suas funções no setor privado, Ghosn se lançaria na política libanesa.

Mas se a classe política parece ter se unido em torno de seu herói, as redes sociais e os comentário­s da população não vão exatamente na mesma direção. Corre uma piada em Beirute que, depois de ter sido detido, Ghosn finalmente estaria capacitado para ser um político no Líbano, considerad­o pela Transparên­cia Internacio­nal como um dos países mais corruptos do mundo.

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MOHAMED AZAKIR/ REUTERS ‘Somos todos’. Empresário libanês espalhou 18 outdoors por Beirute em solidaried­ade ao executivo Carlos Ghosn

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