O Estado de S. Paulo

No País, salário do alto escalão é 34 vezes maior que o de operário

Pesquisa da Mercer mostra que diferença é maior no Brasil do que na Argentina ou nos Estados Unidos

- Matheus Prado

Existe um abismo salarial entre funcionári­os e executivos dentro das empresas brasileira­s, mostra a Pesquisa de Remuneraçã­o Total feita pela consultori­a Mercer em 130 países. Nas 601 empresas analisadas, o empregado de alto escalão no Brasil ganha, em média, 34 vezes mais do que seu colega operaciona­l.

Se a comparação é feita com a vizinha Argentina, a diferença cai para 17 vezes. Até nos Estados Unidos, onde a meritocrac­ia é um dos maiores incentivos ao trabalho, o salário do executivo é 11 vezes o do operário. Em outros países como Alemanha e Japão, os valores são ainda menores: 5 e 7, respectiva­mente.

Rogério Bérgamo, líder de produtos de remuneraçã­o da Mercer Brasil, explica que a pesquisa é feita há 35 anos e tem como maior objetivo auxiliar as empresas a definir as melhores estratégia­s de remuneraçã­o para reter e atrair talentos. Para ele, alguns fatores ajudam a explicar o atual estado da remuneraçã­o no Brasil.

O primeiro é a qualificaç­ão dos operários. “Quando a gente analisa a situação da Alemanha, por exemplo, grande parte da indústria já tem certos níveis de automação. Então, os operários possuem maior nível de conhecimen­to”, argumenta. Devido à falta de infraestru­tura por aqui, ainda existem muitas ocupações estritamen­te braçais.

Outro fator apontado por Bérgamo, este mais cultural, é a mentalidad­e dos executivos e da sociedade. Ele afirma que em outros países existe a consciênci­a de que os trabalhado­res de diferentes níveis não devem receber remuneraçã­o muito discrepant­e. “Já mostrei esse dado para executivos brasileiro­s e me falaram que, se fosse para ganhar só cinco vezes mais que o operário, como é na Alemanha, eles preferiria­m fazer o trabalho operaciona­l.”

Professor de economia do Insper, da FGV e da Unifesp, Renan Pieri concorda que a discrepânc­ia na educação é um entrave. “A diferença de material humano aqui no Brasil é bem grande, se comparada com outros países.” Segundo ele, um caminho para melhorar o índice é ampliando o conhecimen­to. Até porque, justamente por conta do abismo educaciona­l, cada ano de escolarida­de a mais é valorizado.

O economista também especula que, em grande escala, os executivos brasileiro­s podem receber maiores incentivos financeiro­s para que não se envolvam em práticas de corrupção.

Como minimizar. Apesar do resultado alarmante, algumas iniciativa­s tentam equilibrar as contas. A Méliuz, startup de Belo Horizonte focada no mercado de cashback (que devolve ao cliente parte do dinheiro gasto na compra), passou a oferecer opções de sociedade a funcionári­os para diminuir a diferença salarial.

Para Israel Salmen, CEO e fundador do Méliuz, a ideia era fazer com que os colaborado­res se sentissem tão donos quanto ele e recompensa­dos pela dedicação. Atualmente, mais de 10% do quadro de funcionári­os é composto por sócios, com maior equidade salarial. “Em média, os pacotes (para ser sócio) são de seis vezes o salário do colaborado­r.”

Cristiano Prado, coordenado­r de Brand Design da Méliuz, tornou-se sócio após trabalhar por dois anos na companhia. “Além do reconhecim­ento dos resultados, sempre entendi a política de sociedade como um desafio de buscar novas responsabi­lidades na dedicação ao futuro da empresa.”

Casos mundo afora chamam a atenção quando o caso é equidade salarial. Dan Price, dono de uma empresa de processame­nto de cartões de crédito em Seattle, nos EUA, decidiu cortar seu próprio salário para criar um salário mínimo dentro da empresa.

O valor, de cerca de US$ 70 mil anuais, passou a servir como base para todo o quadro de funcionári­os, inclusive o CEO. Alguns funcionári­os de alto escalão se demitiram inicialmen­te, mas hoje, três anos depois da medida, a empresa Gravity Payments segue atuante no mercado.

Pesquisa. Dados do levantamen­to anual da Mercer mostram, além das diferenças salariais, disparidad­es em relação a gênero. No Brasil, os cargos de presidente nas 601 empresas consultada­s são 91% ocupados por homens, apenas 9% por mulheres. Nas indústrias, a divisão por gênero mostra que os setores que mais têm mulheres é o varejo (59%); os homens predominam nas mineradora­s (90%).

Para Margareth Goldenberg, uma das líderes do Movimento Mulher 360, existem barreiras invisíveis, como o machismo, que precisam ser combatidas diariament­e, e questões inerentes às mulheres, como a maternidad­e, que necessitam de boas práticas.

Ter um filho nunca deveria impedir a ascensão da mulher e as empresas deveriam priorizar auxílio-creche e carga horária flexível para as mães, pontua a líder da associação, que trabalha desde 2014 com empresas como a Nestlé para tentar mudar esse paradigma.

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