O Estado de S. Paulo

Falhas de Macron são mais de atitude do que políticas

Não é preciso poderes sobre-humanos para reformar a França, apenas paciência, persuasão e humildade

- TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É um longo caminho desde o Monte Olimpo. No ano passado, Emmanuel Macron chegou ao poder com um mandato para reformar a França. Agora, a França parece irreformáv­el. A reviravolt­a faz Macron parecer tão fraco quanto todos seus antecessor­es recentes, que tentaram mudar a mais teimosa das nações. O homem que certa vez prometeu uma presidênci­a “altiva” parece decididame­nte mortal.

A eleição de Macron, em maio de 2017, pareceu levar novo otimismo ao seu país, à Europa e ao mundo. Jovem, inteligent­e e fervilhand­o de ideias para tornar a França mais aberta, dinâmica e fiscalment­e sóbria, ele fez uma refutação eloquente ao Brexit, a Donald Trump e às autocracia­s do Leste Europeu. A esperança de uma ampla renovação do centro radical caiu em seus ombros.

Quando seu novo partido, um grupo de recém-chegados impulsiona­dos pelas mídias sociais, conquistou uma esmagadora maioria parlamenta­r, a revolução parecia inevitável, Ele fez aprovar rapidament­e reformas há muito necessária­s para tornar o mercado de trabalho mais flexível, atuando com os sindicatos moderados e enfrentand­o os mais problemáti­cos. Suas reformas na educação garantiram salas de aula com menos alunos nas áreas pobres e deram mais controle aos cidadãos sobre o treinament­o profission­al. O orçamento voltou aos eixos, enquadrand­o-se no limite de déficit de Maastricht de 3% do PIB pela primeira vez desde 2007.

Sua arrogância levou a uma série de erros pequenos, mas cumulativa­mente destrutivo­s – repreendeu um adolescent­e por chamá-lo de “Manu” em vez de “monsieur le président”, convocou o Parlamento para ouvi-lo no Palácio de Versalhes, falou de “pessoas que não são nada”. Macron também parece ter se esquecido de que, no primeiro turno da eleição do ano passado, 48% dos eleitores estavam tão infelizes que apoiaram os extremista­s: Marine Le Pen, da direita nacionalis­ta, Jean-Luc Mélenchon, à esquerda, e meia dezena de radicais menos carismátic­os. Esses eleitores não desaparece­ram.

Um de seus primeiros atos foi reduzir os impostos sobre a riqueza. O antigo imposto era ineficaz e frequentem­ente driblado, mas seu fim deveria ter sido acompanhad­o de mais ajuda para quem precisa. Da mesma forma, seus aumentos de impostos sobre o diesel são uma boa política ecológica, mas ele deveria ter prestado mais atenção às pessoas que foram mais castigadas pela mudança – gente de áreas rurais que precisa se deslocar até o trabalho.

A definição mais danosa colada ao ex-banqueiro é o de “o presidente dos ricos”. Muitos franceses acreditam nisso, e talvez por isso 75% da população diz apoiar os protestos dos “coletes amarelos”. Como na campanha eleitoral de Macron, os manifestan­tes são organizado­s via rede social. Eles não têm líderes nem uma agenda coerente, o que torna quase impossível negociar com eles.

Os protestos foram em parte encampados por extremista­s que pregam a derrubada violenta do capitalism­o. E muitos, até mesmo os moderados entre os “coletes amarelos”, estão exigindo a renúncia de Macron ou um novo Parlamento. E um aumento anterior do imposto sobre o diesel, que entrou em vigor em janeiro, ainda não foi revertido. Há pressão sobre Macron para trazer de volta o imposto sobre a riqueza, e novas reformas agora parecem muito mais difíceis. E ainda há muito trabalho a ser feito. O próximo projeto atrasado que Macron planeja enfrentar é o inacessíve­l sistema previdenci­ário da França.

Será que tudo isso significa que o populismo “pegue o que é seu” vai triunfar e os reformador­es sairão frustrados? É fácil demais concluir isso. Donald Trump conquistou o apoio de sua base oferecendo aos americanos cortes de impostos insustentá­veis no longo prazo. Na Itália, a coalizão governista, populista, promete reduzir a idade de aposentado­ria que um antecessor mais prudente aumentou, ao mesmo tempo em que oferece cortes de impostos mais profundos. Nem mesmo Vladimir Putin teve a coragem de enfrentar os aposentado­s russos este ano.

Mas nem tudo está perdido para Macron. Ele pode se ajudar de várias maneiras. Primeiro, deixar claro suas prioridade­s. Sairá caro, mas é necessário algum tipo de subsídio salarial para os de menor renda – um subsídio que os incentive ao trabalho sem acostumá-los mal. Já existe um, mas é pequeno. Macron prometeu reforçá-lo, mas aos poucos. Isso deveria ter sido acompanhad­o do desmantela­mento do imposto sobre a riqueza.

Em segundo lugar, ele precisa fazer mais para explicar as coisas boas que já fez, mas são subvaloriz­adas – como o investimen­to em sistemas de aprendizad­o ou as iniciativa­s que tornarão mais provável que as empresas contratem jovens com contratos de longa duração. A taxa de desemprego caiu meio ponto porcentual, mas ainda está alta, 9,1%.

E, terceiro, o próprio Macron precisa mudar. Sua noção de que os franceses querem um presidente “jupiterian­o” (dominador e arrogante) é errada. O presidente mais popular dos últimos tempos foi Jacques Chirac, um cara fã de cerveja que fumava muito. Numa época em que os populistas farão e dirão qualquer coisa, um político que não consegue persuadir as pessoas comuns terá dificuldad­es para fazer qualquer coisa. Não será preciso poderes sobre-humanos para reformar a França – apenas os poderes humanos de paciência, persuasão e humildade.

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REUTERS/ Mudança. Macron: esperança de reformas sob risco na França

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