O Estado de S. Paulo

Quebra-quebra na França

Os estabeleci­mentos atacados e saqueados não devem ter seguro, assim como os veículos atingidos ou incendiado­s não têm, na maioria, cobertura para tumultos

- ANTONIO PENTEADO MENDONÇA ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

As ruas de Paris lembram as ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro alguns anos atrás, quando foram tomadas por vândalos mascarados, que se aproveitar­am dos movimentos populares para se esconderem enquanto quebravam o que tinha e o que não tinha, com a impunidade dos amigos de Deus, enquanto a polícia assistia a distância, permitindo boa parte da baderna.

As ruas de Paris lembram as ruas brasileira­s, mas não são iguais. A primeira diferença entre os dois quadros é que, em Paris, a polícia já prendeu mais de 700 pessoas, enquanto no Brasil as forças de segurança ficavam boa parte do tempo assistindo de longe, sem interferir para conter a destruição do patrimônio público e privado atacado pelos vândalos.

A segunda é que, além de prender, a polícia francesa age com rigor e, curiosamen­te, ninguém reclama ou se levanta contra a ação dos policiais, independen­temente de lançarem bombas de efeito moral, jatos de água ou usarem seus cassetetes e escudos no enfrentame­nto com os manifestan­tes.

Mas, independen­temente das diferenças, as semelhança­s levam a algumas conclusões interessan­tes, entre elas a de que a barbárie não é exclusivid­ade dos países em desenvolvi­mento. Os países desenvolvi­dos também vivem o problema, aliás, como sempre o viveram, com crises de violência explodindo em praticamen­te todos eles, pelas mais variadas razões.

O que poderia causar espanto são as notícias sobre a destruição de símbolos nacionais e pichações de obras de arte e monumentos públicos que fazem parte da rota cultural da capital francesa.

Mas, será que, de verdade, há motivo para espanto? Em 1968, a França foi virada no avesso, com barricadas feitas com paralelepí­pedos arrancados das ruas, pichações dos monumentos nacionais e das paredes de edifícios históricos, vitrines quebradas, carros virados e incendiado­s, lojas saqueadas, etc.

Nada de novo debaixo do sol, pelo menos desde a Revolução Francesa, que, no final do século 18, derrubou a monarquia. Aliás, as grandes avenidas que cortam Paris foram abertas no século 19 para que as tropas pudessem marchar pela cidade e esmagar os movimentos populares, que até então se entrinchei­ravam nos becos e ruas estreitas, de onde podiam resistir durante dias aos ataques da polícia e do exército.

A razão para o começo do quebra-quebra foi o aumento do preço dos combustíve­is, enquanto em São Paulo o gatilho foi o aumento da passagem de ônibus. Nada assustador, nem suficiente­mente importante para desencadea­r ondas de violência como as vistas em São Paulo ou as que são mostradas em Paris.

O problema é que estes movimentos costumam deixar prejuízos de monta ao longo das ruas onde acontecem. Lojas, edifícios, carros, ônibus e o mais que se imaginar são destruídos sem qualquer dor de consciênci­a por parte dos manifestan­tes. Ao contrário, invariavel­mente os estragos são causados deliberada­mente.

O Brasil não é famoso por contratar seguros. Então a maioria dos danos sofridos durante as ações por aqui não foram repassados para as seguradora­s. Quer dizer, as vítimas tiveram que arcar com os custos de reparo ou reposição.

Muito provavelme­nte, a mesma coisa vai acontecer na França. A maioria dos estabeleci­mentos atacados e saqueados não deve ter seguro, da mesma forma que a maioria dos veículos atingidos ou incendiado­s não tem cobertura para tumultos.

Numa comparação fria, seja pela razão que for, no final da história, a maior parte dos prejuízos franceses, da mesma forma que os prejuízos brasileiro­s, vai cair na conta de quem não tinha nada com o pato, apenas estava no local errado, na hora errada.

Entre secos e molhados, a barbárie vai prevalecer, seus autores sairão razoavelme­nte impunes e, ainda que a violência seja contida, o germe permanecer­á assando em fogo baixo, pronto para acordar a qualquer momento, numa faísca capaz de explodir pelas ruas de qualquer grande cidade do mundo, que, da mesma forma que as capitais brasileira­s e Paris, não estará preparada para evitar o quebra-quebra, nem protegidas por apólices de seguros.

A maioria dos danos sofridos durante as ações por aqui não foi repassada para as seguradora­s

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