O Estado de S. Paulo

Depósitos para ex-motorista seguiam dia de pagamento

Mais da metade das remessas recebidas por ex-motorista de filho de Bolsonaro aconteceu no dia ou próximo da data de pagamento na Alerj

- Constança Rezende / RIO Fábio Serapião / BRASÍLIA

Análise de relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf) mostra que mais da metade dos depósitos em espécie recebidos por Fabrício José de Queiroz, exmotorist­a do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), ocorreu no dia do pagamento de funcionári­os da Assembleia Legislativ­a do Rio ou em até três dias úteis depois.

Mais da metade dos depósitos em espécie recebidos em 2016 por Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-motorista do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente eleito, Jair Bolsonaro, foram feitos no dia do pagamento dos funcionári­os da Assembleia Legislativ­a do Rio ou até três dias úteis depois. Uma análise do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf), que apontou movimentaç­ões financeira­s atípicas em contas de assessores e ex-servidores do Legislativ­o, mostra que 34 das 59 operação financeira­s seguiram o mesmo padrão. O restante ocorreu em até uma semana.

O Estado identifico­u que 15 depósitos em espécie na conta de Queiroz ocorreram nos mesmos dias de pagamento dos servidores da Alerj em 2016. Essas datas variaram a cada mês, por causa da crise do Rio, que levou a atraso nos salários, mas foram mapeadas em cruzamento do relatório do Coaf com o cronograma de pagamentos da Assembleia fluminense. Outros 19 depósitos na conta de Queiroz ocorreram em até três dias úteis após os funcionári­os receberem seus vencimento­s.

Os valores depositado­s mensalment­e também se repetem ou são aproximado­s. Investigad­ores analisam se há padrão nas ações, em valores ou periodicid­ade. O jornal Folha de S. Paulo publicou ontem que, logo após receber os valores, Queiroz realizou saques em espécie em quantias aproximada­s às que haviam entrado em sua conta.

A coincidênc­ia de datas ocorre logo nos primeiros depósitos feitos em 2016. Em 12 de janeiro, dia de pagamento na Alerj, por exemplo, o então assessor recebeu três depósitos em espécie, nos valores de R$ 4.400, R$ 5.566 e R$ R$1.771. Outra sequência é vista em 14 e 15 de abril, dia de pagamento na Alerj. No primeiro dia, Queiroz recebeu um depósito de R$ 7.400. No seguinte, foram feitos outros dois depósitos, de R$ 1.771 e R$ 4.300, na sua conta.

Em maio de 2016, os funcionári­os da Alerj receberam no dia 11. Nessa data, Queiroz ganhou três depósitos, novamente no valor de R$ 1.771, outro de R$ 3.071 e um último de R$ 1.000. Um dia depois, em 12 de maio, foi feito na conta outro depósito, de R$ 6.300, e no dia 16 caiu o último valor do mês, de R$ 1.160. Os padrões se repetem em junho e em novembro. O relatório,

no entanto, não diz quem realizou os depósitos.

No relatório preliminar da operação Furna da Onça, a delegada Xênia Ribeiro Soares chegou a citar a suposta existência de esquema de funcionári­os fantasmas e auxílio alimentaçã­o que seriam repassados pelos servidores dos gabinetes aos deputados. De acordo com a delegada, o procedimen­to foi mapeado no gabinete do deputado estadual Paulo Melo, preso pela operação, mas já foi “identifica­do em outros gabinetes e que se afigura como uma prática criminosa disseminad­a na Alerj”. “As informaçõe­s apresentad­as são de máxima gravidade e demandam

uma enérgica resposta da Justiça”, diz o texto.

Depoimento. O ex-motorista deve depor na semana que vem no Ministério Público do Rio, que investiga o caso. O Estado apurou que as transações entre funcionári­os do Legislativ­o estão entre os motivos que levaram os bancos a classifica­r as movimentaç­ões como atípicas e a advertir o Coaf a seu respeito. O relatório indicou que pelo menos nove funcionári­os e ex-funcionári­os do gabinete de Flávio Bolsonaro fizeram operações (depósitos ou recebiment­os) na conta do ex-motorista e ex-segurança do deputado. Entre elas, estão, as filhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn Melo de Queiroz, e a sua mulher, Marcia Oliveira de Aguiar.

O próprio Coaf, em seu relatório anexado à operação Furna da Onça, que investiga corrupção no Legislativ­o do Rio, classifico­u

o fluxo financeiro como atípico. Parte dos recursos depositado­s na conta de Queiroz por assessores do gabinete superavam o salário do servidor.

Em nota, a assessoria de Flávio Bolsonaro ressaltou que ele não é investigad­o, “visto que não praticou qualquer ilícito em sua atividade parlamenta­r”. O texto afirma ainda que o deputado “segue à disposição para prestar esclarecim­entos às autoridade­s, se instado for” e “espera ver, dentro dos trâmites legais, a completa resolução do caso pelas autoridade­s competente­s”. Procurado, Queiroz não quis se manifestar.

“As informaçõe­s apresentad­as são de máxima gravidade e demandam uma enérgica resposta da Justiça” Xênia Ribeiro Soares

DELEGADA FEDERAL DA FURNA DA ONÇA

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