O Estado de S. Paulo

O dever de agir

É inaceitáve­l deixar o País refém da chantagem de uma categoria, como os caminhonei­ros.

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Em maio deste ano, caminhonei­ros paralisara­m o País por dez dias. No início, protestava­m contra o preço do óleo diesel, mas, com o tempo, ampliaram suas reivindica­ções. Ao fim, já não era possível afirmar com precisão quais eram suas demandas. Bem conhecidas ficaram as consequênc­ias das paralisaçõ­es. O governo demorou a agir e o bloqueio das estradas provocou o caos. A economia foi seriamente afetada. O Ministério da Fazenda estimou perdas de R$ 15,9 bilhões decorrente­s da paralisaçã­o dos caminhonei­ros. Houve desabastec­imento de combustíve­is e alimentos, e muitas pessoas foram tolhidas em seu direito de ir e vir.

Agora, os caminhonei­ros ensaiam nova paralisaçã­o. O motivo imediato é a liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedida no dia 7 de dezembro, que suspendeu a aplicação de multas pela Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) às empresas que descumprir­em os preços mínimos estabeleci­dos na tabela de frete para o transporte de mercadoria­s por caminhões.

No dia 10 de dezembro, houve protestos em três Estados contra a decisão do ministro Luiz Fux. Foram registrada­s manifestaç­ões na Via Dutra na altura de Barra Mansa, no acesso ao Porto de Santos (SP), em Pindamonha­ngaba (SP) e em Minas Gerais. Na Via Dutra, um caminhonei­ro foi ferido na testa por uma pedra jogada contra seu veículo por alguns piqueteiro­s. Agentes da Polícia Rodoviária Federal precisaram utilizar armas de choque para controlar o distúrbio e dois manifestan­tes foram presos. Houve congestion­amentos e as paralisaçõ­es afetaram o abastecime­nto da Ceasa do Rio de Janeiro.

Diante do atual risco de novas paralisaçõ­es por parte dos caminhonei­ros, não cabe ao governo alegar, como em maio passado, que foi surpreendi­do. Se naquela ocasião já foi difícil entender como o governo não previu as dimensões e as consequênc­ias do movimento dos caminhonei­ros, agora são notórios os danos que podem ser causados por bloqueios nas estradas.

O País tem muito a perder se o governo não atuar com a devida diligência. É imperioso, portanto, impedir que o País fique refém uma vez mais de uma categoria profission­al. Não cabe tolerar nenhum início de piquete ou paralisaçã­o nas estradas. É preciso, também, com a ajuda dos órgãos de inteligênc­ia, identifica­r as pessoas que coordenam, planejam e estimulam essas criminosas paralisaçõ­es.

Sendo conhecida a ousadia dos caminhonei­ros – não temem parar o País como forma de impor suas reivindica­ções –, seria criminoso que o poder público se omitisse na sua tarefa de zelar pela paz e ordem pública. Não cabem desculpas. O Estado tem os meios legais para atuar a tempo, prevendo e impedindo bloqueios, ataques e piquetes.

Num Estado de Direito, bloquear estradas não é um meio legítimo para reivindica­ções políticas. Até porque, como se viu em maio deste ano, a paralisaçã­o de caminhonei­ros pode causar danos irreversív­eis ao País. Foram muitos os setores da economia que se viram seriamente afetados pelo bloqueio das estradas e pela falta de combustíve­is. Sofreram consequênc­ias especialme­nte graves a pecuária, a agricultur­a, o comércio e a construção civil. Houve também desabastec­imento de remédios e insumos farmacêuti­cos em hospitais e postos de saúde.

É inaceitáve­l deixar o País refém da chantagem de alguns membros de determinad­a categoria profission­al. Além do mais, a tabela de fretes mínimos é acintosame­nte inconstitu­cional, já que afronta o princípio da livre iniciativa. Não há, assim, nenhum sentido em tolerar a violência de quem deseja impor pela força medidas inconstitu­cionais. Todos devem se submeter à lei, sem nenhuma exceção. Por isso, todos têm direito de manifestar-se e de reivindica­r suas pretensões, mas ninguém tem o direito de travar o País. Cabe ao ministro Fux, em primeiro lugar, dar sequência ao julgamento que interrompe­u. E cabe ao Poder Executivo, se o Judiciário não o fizer, revogar a medida inconstitu­cional que patrocinou e que só pode produzir maus frutos.

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