O Estado de S. Paulo

Civilizaçã­o brasileira

- PAULO DELGADO SOCIÓLOGO, É CO-PRESIDENTE DO CONSELHO DE ECONOMIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA DA FECOMERCIO/SP. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGA­DO.COM.BR

Aideologia é uma invenção da ideologia. Rodeada de armadilhas, é ímã para desafetos. Sua obstinação é ser contra pensamento e ferira base da confiança da política, queéo que sustenta um país. Adia ao máximo a aceitação da regrado jogo que sugere respeitar o vencedor. Amoldurado ringue é instigante e velha conhecida. O choque ideológico pode vir de qualquer lado: do vencedor, do derrotado, das Forças Armadas politizada­s, da Polícia Federal autonomist­a, do Ministério Público açulador, do Supremo em erupção. Pode vir também da sociedade, dos sindicatos, das ONGs,dasig rejas. Não há entrenós um amaneira coletiva dese reagir, uma disciplina estrita de obediência­à lei capaz de manter algo sólido como um princípio, aquele dom partilhado por todos quedá forma ao destino dos povos e configura aética deu manação.

Todos fazem parte do sistema nacional de poder. E embora sem condição de precisar bema origem dos movimentos de partilha e fraturado novo governo, é possível identifica­r sinais da construção de um vazio, sem motivo aparente, já querendo dividir o poder com quem ainda nem tomou posse. O Brasil está entusiasma­do com instituiçõ­es cheias de sentimento de poder – Forças Armadas, Polícia Federal, Ministério Público– e indiferent­e saquem faz alei, o desmoraliz­ado Congresso Nacional.

Constituci­onalmente, estabeleci dopara governa ré o presidente da República. Há Poderes da união que gostam de definira época em que vivemos. E avançam sobre as fissuras do sistema político e a erosão que avida pública provoca na honra dos seus titulares nos últimos anos. Não se trata de fazer concessões aos poderosos ou deixar de ser iconoclast­a com governante­s de araque que nos levam à lona. Mas o patriotism­o insuficien­te do oposicioni­smo de in sul toé como dizer“nós estamos aqui, aguarde o transborda­r sobre você do nosso reservatór­io dedes confianças ”. Enquanto isso, oque a outra civilizaçã­o quer saberés e podes urgir por aqui algo como um Putin, um Erdogan, um Xi Jinping para podermos ser levados a sério, ou temidos. Alguns, melhor não, mas a marca de nossa democracia é a facilidade com que depreciamo­s o poder. De um lado, pela fragilidad­e que é a falta de consenso sobre a soberania das escolhas políticas; de outro, o dissenso entre partidos sobre se é lícito a um presidente incluir entre seus privilégio­s o de tornar-se desonesto no exercício do cargo.

O Brasil não sabe fazer um pacto entre suas elites talvez porque nenhuma seja hegemônica. Só um pacto de natureza civilizaci­onal, elite do povo incluída, poderá fazer-nos caminhar para ser uma civilizaçã­o. Três pontos iniciais: compromiss­o com a verdade, não depreciar a presidênci­a de nenhum órgão público e total aversão ao erro. Na competição política, evitar espalhar dúvida, medo, suspeita sobre todos os que nos incomodam. A ideia de que tudo na vida é resultado de mecanismos repressivo­s embutidos na política e na economia é uma ideia ruim. Não há como deter a evolução, a própria natureza tem um forte componente liberal, competitiv­o. Quem se acha um salmão em rio poluído, envenenado pelos “outros”, experiment­e Freud: qual a sua responsabi­lidade na desordem de que você se queixa?

O conservado­rismo é um freio de arrumação no caminhar desgoverna­do da humanidade. Entretanto, só vale se for coerente, ilustrado e dotado de propostas que capturem as questões pungentes. Enfiar ideologia em tudo, num culto da ação ao estilo militante, leva à sobrepolit­ização de todos os aspectos da vida. Com acrise, a entrega de proteções começou afa lhareé explicável que novas forças surgissem. Caiu o sistema binário coma globalizaç­ão e as coisas saíram do controle da esquerda. As políticas identitári­as viraram as costas para o povão desorganiz­ado, o maior e mais sub-representa­do contingent­e eleitoral em todos os países.

O livre comércio foi muito longe emeios em lei. Os jovens estão desprotegi­dos em seu desejo de ser estagiário, aprendiz, e gostaram de ouvir do futuro presidente que estão em seu plano de governo. Afinal, precisam que a política pública incorpore seu futuro, pois no contingent­e dos desemprega­dos do presente são eles a maior parte. Precisamos correr para compensar nosso atraso e assim dar ao trabalhado­r condições de competir na brutal realidade moderna, em que o homem desconecta­do não será mais explorado, será irrelevant­e.

O liberalism­o apropriou-se das bandeiras da igualdade e vinculou-as a tecnologia e comunicaçã­o. Claro que há limites, tanto para as políticas distributi­vistas, pois não há liberdade com igualdade total (os protegidos tornam-se improdutiv­os legais e sem autonomia); como para os compromiss­os sociais dos governos liberais, pois também não há igualdade com liberdade total (os competitiv­os são atropelado­s pelos ilegais). O desafio é garantir um espaço autônomo para a vida social, econômica e política, novas instituiçõ­es de negociação, sem pensar em sair do jogo mundial.

Assim, atenção aos tratados ambientais, pois eles fazem parte do pacote exigido dos fornecedor­es para a venda de produtos agrícolas aos consumidor­es europeus. Além do mais, a Convenção do Clima tem forte simbolismo para o Brasil, foi aqui a primeira Cúpula da Terra, no governo Collor; logo, sem desculpa de ter conotação ideológica de esquerda. A Rio-92 teve seu tratado ratificado por 196 países em Kyoto, em 1997, o que criou, até hoje, a melhor imagem do Brasil no mundo. Tal fato fez de nossa habilidade diplomátic­a, nessa área, um líder internacio­nal do soft power ambiental.

O novo governo deve também ficar atento: a revolta do eleitorado não contém um basta ao Estado protetor, nem parece representa­r uma despedida do modelo econômico brasileiro – o Estado de compadrio – dos últimos 80 anos. Um bom problema, pós-ideológico, para o mais homogêneo Ministério da Economia desde Castelo Branco.

Não há entre nós uma maneira coletiva de ser e agir, uma disciplina estrita de obediência à lei

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