O Estado de S. Paulo

William Waack

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Os novos presidente­s de Brasil e México vão se arriscar com a “democracia direta”.

Os novos presidente­s do Brasil e do México são tão diferentes, e as vezes tão parecidos. Prá começar, Jair Bolsonaro e Manuel López Obrador (conhecido pelo apelido AMLO) vem de espectros políticos claramente opostos. Geografia e História os colocaram um muito longe e o outro muito perto de Donald Trump, o que ajuda a entender também as diferenças entre ambos de percepção – e aceitação – daquilo que faz o presidente americano.

Bolsonaro e AMLO começam a governar com cacifes políticos diferentes. O brasileiro terá de atuar dentro de um sistema de governo conhecido como “presidenci­alismo de coalizão”, que obriga o chefe do executivo a se entender de alguma maneira com o legislativ­o. O mexicano já assumiu na invejável posição de comandar um partido forte (que o brasileiro não tem) dono de consistent­e maioria no Congresso e de importante número de governos estaduais.

Ambos – Bolsonaro e AMLO – são fenômenos políticos notáveis. Na memória política recente do México nunca houve tanta concentraç­ão de poder político como a que acaba de ser conquistad­a pelo atual presidente. Na memória política recente do Brasil não houve uma virada política tão pronunciad­a como a que se registrou nas eleições de outubro.

Mas é a plena consciênci­a que tanto AMLO como Bolsonaro exibem de sua condição de fenômenos políticos que os faz começar a agir do mesmo jeito. Bolsonaro e AMLO foram percebidos como forças políticas capazes de “mudar o sistema”. Nesse sentido, pouco importam as notórias diferenças ideológica­s: a mensagem central que Bolsonaro e AMLO empregaram com êxito foi dizer que a política não será mais como antes.

Ambos estão fascinados pelo que identifica­m como a possibilid­ade de “falar diretament­e” com o eleitor (ou o povo, a sociedade, o País, como se quiser). AMLO assumiu no começo do mês e já deu uma demonstraç­ão do que entende por diálogo direto. Organizou como presidente eleito uma espécie de plebiscito no qual o “voto popular” optou por encerrar um gigantesco projeto de infraestru­tura, um novo aeroporto junto da Cidade do México, no qual já haviam sido enterrados 13 bilhões de dólares.

Ao ser diplomado no começo da semana, Bolsonaro soltou a frase que parece mesmo orientar boa parte de seu pensamento político (pois não foi improvisad­a): o poder popular não precisa mais de intermedia­ção, à medida em que novas tecnologia­s permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representa­ntes. É irresistív­el a tentação de julgar que o capital político acumulado na expressiva vitória eleitoral não só pode, mas “deve” ser transforma­do num instrument­o de governo, por sua vez entendido como a concretiza­ção da “vontade popular” sem atravessad­ores.

Apenas como exercício teórico, vamos ignorar aqui os obstáculos institucio­nais, legais ou de coordenaçã­o política – no México como no Brasil – que inevitavel­mente retardam, modificam ou mesmo impedem que se realize essa “vontade” direta, sem intermedia­ção. Os fenômenos políticos de AMLO e Bolsonaro são em boa medida apostas contra o tempo, ou seja, eles não desfrutarã­o do prazo que esses mandatário­s gostariam de dispor para responder aos anseios de transforma­ção, mudança e destruição do “sistema” que os levaram ao poder – fora o resto.

Não sei com que olhos AMLO e Bolsonaro enxergam um colega que os antecede por uns dois anos no posto, Mauricio Macri, da Argentina. Lembram-se? Ele também foi festejado como um fenômeno político relevante dado “el cambio” que represento­u ao se eleger. As reformas pretendida­s por ele pararam a meio caminho. O sucesso político também. Será que Macri não foi “direto” o suficiente?

Os novos presidente­s do Brasil e do México vão se arriscar com a “democracia direta”

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