O Estado de S. Paulo

O Fies e o novo governo

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Não se pode tratar programas de financiame­nto a universitá­rios com objetivos eleiçoeiro­s.

Apesar de o País ter atualmente 8 milhões de universitá­rios, em 2018 foram assinados somente 80,3 mil contratos no âmbito do Fundo de Financiame­nto Estudantil (Fies). Proporcion­almente, foi o menor número desde 2010, época em que os governos lulopetist­as o reformular­am com objetivos eleiçoeiro­s. Naquele ano, foram firmados 76 mil contratos, mas o número de universitá­rios era de apenas 4 milhões. “É o fracasso do Fies”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Mantenedor­as de Ensino Superior (Abmes), Janguiê Diniz, comentando esses números e pedindo mudanças no Fies.

A afirmação, contudo, não procede. A redução proporcion­al do número de novos contratos em 2018 decorreu não de problemas de gestão desse programa, mas das reformas moralizant­es dos critérios de concessão de financiame­nto realizadas em 2016, com base num estudo da Secretaria de Acompanham­ento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda. Sucessor do programa de crédito educativo do regime militar, lançado em 1976, o Fies foi criado em 1999 pelo governo Fernando Henrique. Os problemas se multiplica­ram 11 anos depois, quando os governos Lula e Dilma Rousseff afrouxaram as regras de concessão, chegando a ponto de permitir que jovens de 17 anos se enquadrass­em nos critérios de renda mínima exigidos para a assinatura de um contrato.

Além disso, esses governos passaram a oferecer crédito farto e barato a estudantes, inclusive aos que não vinham de famílias de baixa renda. Por falta de rigor para a formalizaç­ão de novos contratos, as universida­des privadas passaram a estimular alunos antigos e ingressant­es a usar recursos do Fies para financiar seus estudos. Houve, inclusive, instituiçõ­es cujos dirigentes propagaram entre alunos de classe média a informação de que, como a taxa de juros do programa era baixa, para eles compensava assinar um contrato de financiame­nto estudantil e aplicar suas poupanças no mercado financeiro.

Em 2015, quando a deterioraç­ão do cenário econômico já era evidente e muitos universitá­rios já não conseguiam pagar as mensalidad­es, foram firmados 287 mil contratos. O resultado de tanta irresponsa­bilidade foi uma explosão na taxa de inadimplên­cia, que chegou a 49% dos contratos em fase de amortizaçã­o no final daquele ano, mostrou o estudo da Seae. Segundo o documento, que criticava a “ausência de sustentabi­lidade fiscal” do programa, mostrando que seus custos já superavam o orçamento anual do Bolsa Família, o Fies também foi utilizado por universida­des privadas para transferir para os cofres públicos o risco de inadimplên­cia de seus alunos.

Por isso, quando a entidade do setor hoje afirma que o Fies está “fracassand­o”, o que ela está fazendo é lastimar o fim de um período em que grupos educaciona­is privados podiam ter lucros vultosos graças a um programa mal concebido pelo lulopetism­o. A lamúria começou depois que o atual governo, com base no relatório da Seae, introduziu medidas de austeridad­e, reduzindo as obrigações da União, autorizand­o parcerias com instituiçõ­es privadas, aumentando a responsabi­lidade das universida­des particular­es nos casos de inadimplên­cia de estudantes e ampliando as exigências para a concessão de novos financiame­ntos. Uma delas foi determinar que, para assinar um contrato de financiame­nto, os universitá­rios tivessem no mínimo 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio.

Diante desse cenário, os grupos educaciona­is privados agora estão propondo ao presidente eleito Jair Bolsonaro novas mudanças no Fies e sua extensão para o ensino a distância, sob a justificat­iva de que “seria possível financiar mais vagas, pois sua mensalidad­e é menor do que a de um curso presencial”. Se isso é verdade ou não, cabe à equipe de Bolsonaro verificar. O que não se pode é tratar programas de financiame­nto a universitá­rios carentes com objetivos eleiçoeiro­s ou como simples fontes de negócios rentáveis. Diante da importânci­a da educação, não se pode permitir a repetição de erros cometidos no passado.

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