O Estado de S. Paulo

Órgão controlado?

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Quando as eleições de outubro terminaram e os nomes dos candidatos vencedores foram anunciados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão encarregad­o de promover o controle administra­tivo do Judiciário – anunciou a abertura de procedimen­tos para identifica­r e punir os juízes, desembarga­dores e ministros de tribunais superiores que, contrarian­do determinaç­ões da Lei Orgânica da Magistratu­ra Nacional (Loman), manifestar­am posições políticas e intenções de voto pela imprensa e redes sociais. Em setembro, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, já havia recomendan­do aos magistrado­s que fossem bastante “cautelosos” em suas manifestaç­ões, alegando que a internet poderia levá-los a confundir vida pública e vida privada.

Apesar de a iniciativa do CNJ ter sido bem recebida nos meios políticos e jurídicos do País, um mês após a divulgação desse medida salutar – afinal, os integrante­s do Judiciário desempenha­m uma função técnica e devem primar pela isenção e imparciali­dade, não podendo por isso candidatar­se a postos eletivos e desenvolve­r atividades político-partidária­s quando estão na ativa –, o órgão voltou atrás e decidiu não aplicar qualquer punição. Em vez de cumprir rigorosame­nte o que a legislação determina, disciplina­ndo os magistrado­s que a afrontaram acintosame­nte no último pleito, membros da cúpula do CNJ afirmaram que a abertura de procedimen­tos administra­tivos foi apenas um “ato simbólico” com o objetivo de dar um “susto” na corporação.

O recuo do CNJ é mais uma demonstraç­ão do espírito de corpo reinante nas diferentes instâncias e braços especializ­ados do Judiciário, cujos órgãos administra­tivos e correciona­is sempre foram conhecidos por seu viés corporativ­o. Criado em 2004 pela Emenda Constituci­onal n.º 45, que introduziu a reforma desse Poder, o CNJ ganhou respeitabi­lidade e credibilid­ade em seus primeiros anos de atuação, quando passou a coibir o nepotismo judicial. Com o tempo, porém, o corporativ­ismo impregnou o órgão que tinha, justamente, a função de refreá-lo.

No caso específico das investigaç­ões abertas pelo CNJ para identifica­r magistrado­s que descumprir­am as determinaç­ões da Loman nas eleições de outubro, apoiando candidatos e parabeniza­ndo os vencedores, foram intimados a dar explicaçõe­s por seu comportame­nto durante a campanha eleitoral, entre outros, dirigentes de associaçõe­s de juízes, desembarga­dores de Tribunais Regionais Federais, desembarga­dores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – que é a maior Corte do País em número de integrante­s e de processos – e até mesmo um ministro e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Também foi objeto de pedido de providênci­as o juiz responsáve­l pelos processos criminais da Operação Lava Jato no Estado do Rio de Janeiro.

Como a maioria dos notificado­s integra os escalões superiores da magistratu­ra, fica evidente, assim, que a cúpula do CNJ optou, por excesso de prudência ou falta de coragem, por não enfrentá-los até o fim, contentand­o-se em aplicar o que chamou de “susto”. Esse comportame­nto é, por sua vez, no mínimo censurável, uma vez que conselheir­os do órgão já reconhecer­am que nas eleições de outubro houve um aumento significat­ivo de manifestaç­ões político-partidária­s de juízes e desembarga­dores, por meios eletrônico­s, com relação aos pleitos anteriores. Para não ficar mal na fotografia, afastar a imagem de que agiu corporativ­amente e tentar deter a crescente politizaçã­o dos juízes, o CNJ agora informa que está preparando para as eleições municipais de 2020, em parceria com escolas de magistratu­ra, um código de conduta e um projeto destinado a persuadir os membros da corporação a demonstrar imparciali­dade em seus perfis públicos nas redes sociais.

Por mais que essas medidas sejam importante­s, não há como negar que, ao deixar de punir quem contrariou a Loman, o CNJ acabou deixando a impressão de que, infelizmen­te, é mais um órgão controlado do que um órgão controlado­r.

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