O Estado de S. Paulo

Carta aos amigos europeus

- TIMOTHY GARTON ASH É PROFESSOR DE ESTUDOS EUROPEUS NA UNIVERSIDA­DE DE OXFORD

Posso muito bem entender por que tantos europeus querem apenas que tudo acabe e escoltar o Reino Unido para fora da casa. Até agora, tivemos 900 dias de um governo britânico que não foi capaz de articular uma posição de negociação, fez exigências irrealista­s ou, como esta semana, foi incapaz de obter a aprovação parlamenta­r do acordo que negociou. Agora, os conservado­res pró-Brexit pretendem derrubar Theresa May.

À medida que o relógio avança para o “Dia B”, 29 de março, trazendo o perigo de um caótico Brexit “sem acordo”, posso ver porque, no Conselho Europeu desta semana, em Bruxelas, líderes como a chanceler Angela Merkel podem querer ajudar o governo britânico a apenas “conseguir ultrapassa­r a linha”. Só então a UE poderia voltar a enfrentar outros importante­s desafios, incluindo populismo e os “coletes amarelos”, os problemas da zona do euro, imigração, Vladimir Putin e Donald Trump.

Mas isso constituir­ia o clássico erro político de privilegia­r o curto prazo sobre o longo prazo. Sim, no curto prazo, ajudar o governo britânico na questão do Brexit traria alguma certeza, permitindo que a UE voltasse a outros negócios. Mas, no longo prazo, o Brexit criaria uma grave úlcera britânica, ferindo e enfraquece­ndo o corpo da UE.

A ulceração começaria logo após o “Dia B”. O Reino Unido teria então de negociar sua relação futura com o bloco com base em uma vaga e não vinculante declaração política – e a partir de uma posição negociador­a excepciona­lmente fraca. Essas negociaçõe­s levariam anos e seriam muito difíceis. As falsas promessas dos defensores do Brexit logo seriam expostas. Para evitar assumir a culpa, os “brexistas” e a imprensa eurocética britânica culpariam os “europeus” pelos infortúnio­s do país, especialme­nte os franceses – algo que os ingleses vêm fazendo há 700 anos.

Mesmo que avançássem­os para além desse tóxico jogo de culpa, é uma ilusão perigosa acreditar que o Reino Unido continuari­a feliz cooperando construtiv­amente com o restante da Europa em política externa, defesa, contra o terrorismo, na partilha de inteligênc­ia e todas as outras áreas em que os britânicos contribuem substancia­lmente, ao mesmo tempo que se veem infelizes em relação ao restante do relacionam­ento.

Não é assim que a política funciona, especialme­nte em uma era de populismo. Também é uma ilusão pensar que em poucos anos os britânicos regressari­am, com os rabos entre as pernas, implorando para voltar. Essa é uma leitura errada do caráter britânico. Em suma, haveria uma dinâmica de divergênci­a, não de convergênc­ia.

Então, o único bom Brexit é um não Brexit. As chances disso aumentaram muito nas últimas semanas. Enquanto em outros lugares o populismo nacionalis­ta prejudicou seriamente o funcioname­nto da democracia, no Reino Unido a democracia está funcionand­o. Os parlamenta­res britânicos estão tratando seriamente seu papel como representa­ntes eleitos em um momento crítico. Ninguém sabe o que vai emergir de seus procedimen­tos frequentem­ente obscuros e operístico­s. Mas a opção que vai ganhando mais apoio entre os deputados é um segundo referendo.

É preciso ponderar os riscos de raiva e divisão, no curto prazo, contra os riscos de longo prazo, tanto para o Reino Unido quanto para a Europa. Um referendo seria uma dor de curto prazo para um ganho no longo prazo.

Claro que a permanênci­a no bloco pode perder a votação do referendo novamente. Mesmo assim, o país não estaria numa posição pior do que está agora e ninguém poderia argumentar que as pessoas não sabiam no que votavam. O que é certamente verdade é que, para garantir um Reino Unido que construtiv­amente se reengaje, precisamos alcançar uma margem decisiva para permanecer.

Se você estiver convencido de que construir uma Europa mais forte num mundo perigoso precisa que o Reino Unido exerça seu peso dentro da UE; se você atribuir algum valor ao que o Reino Unido fez pela liberdade europeia na 2.ª Guerra, pela reconstruç­ão da Europa Ocidental no pós-guerra e por ajudar a se livrar do jugo das ditaduras comunistas na Europa Oriental; então vamos ter essa chance. Se alguma coisa que os britânicos fizeram já tocou seu coração; então dê-nos sua solidaried­ade e apoio. Ao ajudar o Reino Unido, você também estará ajudando a Europa. Obrigado. T.G.A.

Dê-nos sua solidaried­ade. Ao ajudar o Reino Unido, você também estará ajudando a Europa

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