O Estado de S. Paulo

Morre quinta vítima; em diário, atirador cita perseguiçã­o.

Pernambuca­no Heleno Alves tinha 84 anos; polícia apreendeu anotações em que autor do ataque menciona outros massacres

- Felipe Resk José Maria Tomazela ENVIADOS ESPECIAIS / CAMPINAS

Morreu ontem a quinta vítima do ataque a tiros na Catederal de Campinas, o aposentado pernambuca­no Heleno Severo Alves, de 84 anos. O atirador, Euler Fernando Grandolpho, de 49 anos, vivia recluso, reclamava de vizinhos e teria mania de perseguiçã­o, segundo apurou até agora a Polícia Civil. Em anotações pessoais do atirador apreendida­s pelos investigad­ores, há ainda referência­s ao massacre de Realengo, em 2011, no Rio, e à chacina em Fortaleza neste ano.

A dona de casa Damiana Alves, de 76 anos, não se conforma com a morte do marido, o ex-pedreiro Heleno Alves, na chacina. “Logo cedo, ele pegou o rosário, o livro de orações e disse que ia rezar, mas perdeu o circular. Falei que era para não ir, que tem coisa que vem por bem, é um aviso.”

Damiana conta que estava vendo TV quando ouviu falar da tragédia. “Quando puseram as imagens, já vi meu marido caído. No dia 25, íamos fazer 63 anos de casados. Criamos 9 filhos e temos 24 netos e 18 bisnetos. O que pediam, ele fazia.” A família vive em Indaiatuba, na região de Campinas.

O também aposentado José Eudes Ferreira, de 68 anos, e sua mulher Maria de Fátima, de 63, visitam a catedral todo mês. “Sacavam o dinheiro (da aposentado­ria) e passavam na igreja para agradecer. Dessa vez, fizeram diferente: foram à igreja primeiro”, contou o genro Donizeti Soares, de 61 anos.

Ferreira foi sepultado ontem. Maria de Fátima acabou baleada na coxa. Abatida e chorando, conseguiu ir ao velório de cadeira de rodas. “Deve voltar ao hospital. Os médicos vão decidir quando operam”, disse o genro.

“O templo de Deus foi duplamente violado. Sim, templo sagrado que é a pessoa humana, ferida de morte como foi. E o templo sagrado desta igreja, nossa Catedral, que se tornou cenário de violência. Hoje estamos aqui em grande número para suplicar a Deus perdão, misericórd­ia, paz e manifestar­mos uns aos outros a solidaried­ade de nossas orações”.

Perseguiçã­o. Grandolpho morava em um condomínio de alto padrão em Valinhos, cidade vizinha à Campinas. Vivia com o pai, responsáve­l por sustentar o filho, que estava sem emprego.

O Estado foi ao local na tarde de ontem, mas um segurança disse que a família havia deixado a casa desde a noite anterior. Anteontem, a policia apreendeu um celular, um notebook e um bloquinho e anotações de Grandolpho.

Em um dos papéis, ele escreveu: “Passei com meu cão em frente uma construção ao lado da casa q os moradores têm

Monsenhor Rafael Capelato

CELEBRANTE DA MISSA ONTEM NA

CATEDRAL, EM HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS

uma veterinári­a e uma delas gritou com ‘as paredes’: ‘E aí Ceará’, sobre o massacre dias atrás. Hj (sic), 31/1/18, passei por lá e falei alto com o celular desligado na orelha: E aí Realengo’.” Diz também que “viados” estariam “ouvindo minha casa” e o perseguind­o havia mais de dez anos. “No começo cometiam crimes com a maior naturalida­de. Agora estão em pânico, espalharam pela cidade o q (sic) está preste a acontecer.”

Segundo José Henrique Ventura, delegado do Departamen­to de Polícia Judiciária São Paulo Interior 2 de Campinas, “uma primeira avaliação indica que as anotações são desconexas”. “Por enquanto, não há nada que possa indicar o motivo do ataque”.

Investigaç­ões apontam que Grandolpho era “solitário”, “introspect­ivo” e tinha mania de perseguiçã­o. Desde 2008, registrou uma série de boletins de ocorrência. Em alguns, disse ter sido seguido por carros. Em outro, alegou que um desconheci­do tentou derrubá-lo da bicicleta. Nos BOs, declarava profissões diferentes. Em 2008, era mecânico. Em 2011, publicitár­io. Em 2012, estudante.”

“Ficava muito tempo recolhido, saía pouco, e não tinha muitas relações com amigos ou namorada”, disse Ventura. No celular encontrado na igreja, a maioria das discagens era para o 190, da PM. Conforme a polícia, ele ligava para reclamar de barulhos dos vizinhos.

Em seu perfil no Facebook, tinha só oito amigos e parentes eram impedidos de entrar no quarto dele. Estava sem emprego desde 2014, quando pediu exoneração do Ministério Público Estadual, onde era auxiliar de promotoria de Carapicuíb­a, na Grande São Paulo, Grandolpho vivia do dinheiro do pai. Para investigad­ores, parentes disseram que ele teria depressão e havia passado por um Centro de Atendiment­o Psicossoci­al (Caps). “Não sabemos ainda se foi para consulta ou tratamento”, disse Ventura.

A Polícia Civil ainda investiga a origem da arma usada no atentado. As munições de calibre 9 mm deflagrada­s seriam antigas e não constaria o número do lote nos projéteis. Grandolpho não tinha porte ou posse de arma autorizado pelas Forças Armadas ou pela Polícia Federal. A principal suspeita é de que a pistola tenha sido roubada de algum colecionad­or ou praticante de tiro esportivo e depois repassada ao atirador. “A família ficou surpresa em saber que ele tinha arma”, disse Ventura.

Enterro. Seguranças impediram a entrada de curiosos no sepultamen­to do atirador ontem à tarde. Parentes próximos não falaram com a imprensa. “Todos foram pegos de surpresa”, disse uma tia. Ele ficou mais recluso após perder a mãe e um irmão, de acordo com a mulher.

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DENNY CESARE/EFE

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