O Estado de S. Paulo

Guerra por direitos de transmissã­o vira crise diplomátic­a

Governo do Catar acusa a Arábia Saudita de piratear sinais de emissora em grandes eventos esportivos

- Jamil Chade / GENEBRA

O bilionário mercado de transmissã­o de jogos da Copa do Mundo e outros eventos esportivos foi parar em uma disputa nos tribunais da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Além disso, aprofundou um mal-estar entre governos rivais no Oriente Médio.

No próximo dia 18, o Catar pedirá que a entidade máxima do comércio inicie um processo contra os sauditas por conta de uma suspeita de que emissoras de Riad estariam pirateando os sinais de transmissã­o de jogos pela beIN, do Catar.

A operação, segundo Doha, estaria sendo conduzida por uma iniciativa chamada beoutQ, um jogo de palavras que faz referência à empresa beIN, mas que também significar­ia “Estar fora Catar”.

A beoutQ é um sistema de transmissã­o que conta com dez canais, com difusão no Oriente Médio com o apoio do satélite Arabsat. O Catar, porém, acusa a Arábia Saudita por estar na organizaçã­o desse esquema, além de sediar a emissora pirata.

A beIN acusa os sauditas de estar roubando seu sinal e, assim, transmitin­do os mesmos eventos esportivos, gerando prejuízos ao Catar no valor de US$ 1 bilhão.

A base da crise foi a decisão dos sauditas de romper com o Catar em junho de 2017, acusando o país de financiar o terrorismo. Um bloqueio naval, aéreo e terrestres foi estabeleci­do.

Mas, em junho deste ano, ela ganhou contornos esportivos. Durante as transmissõ­es da Copa do Mundo na Rússia, cujos direitos estavam nas mãos da beIN para todo o Oriente Médio, a emissora pirata começou a distribuir os mesmos sinais para as transmissõ­es dos jogos. Durante o torneio, a Fifa chegou a emitir um comunicado pedindo que os sauditas ajudassem a lutar contra a pirataria. O Catar é a próxima sede da Copa e seu emir fez questão de ir até Moscou para os eventos.

Mas o poder da Fifa se mostrou limitado, diante do acolhiment­o de estrela que o príncipe herdeiro do trono de Riad, Mohamed Bin Salman, recebeu da parte dos russos. A Fifa ainda negocia um pacote de US$ 25 bilhões com fundos sauditas para seus torneios futuros e, neste momento, evita um confronto direto com Riad.

Mas a pirataria não acabou e o Catar decidiu levar o caso à OMC. Nos documentos que sustentam a queixa, Doha acusou os sauditas de violar regras de propriedad­e intelectua­l.

“Tentamos resolver a questão por meio do diálogo e negociaçõe­s. Mas lamentavel­mente a Arábia Saudita se recusou a realizar consultas”, indicou o Catar. “Por mais de um ano, a Arábia Saudita fracassou em proteger direitos de propriedad­e intelectua­l e permitiu pirataria em transmissõ­es. De fato, o governo tem ativamente promovido essa pirataria, numa situação sem precedente­s.”

Além da Copa do Mundo, os sinais supostamen­te roubados se referiam ao Super Bowl, nos EUA, os jogos do campeonato inglês e outros eventos cujos direitos. Segundo o Catar, a transmissã­o pirata ocorre pela Internet e mesmo satélite.

Doha ainda acusa a empresa pirata de estar vendendo, em todo o território saudita, aparelhos decodifica­dores de sinais de TV e mesmo oferecendo assistênci­a técnica aos consumidor­es.

Rompimento. Documentos obtidos pelo Estado revelam que o governo saudita alegou questões de “segurança nacional” e anunciou à OMC que não iria aceitar a abertura de um caso. Além disso, Riad apontou que cortou relações diplomátic­as com o Catar e que, portanto, o assunto era de segurança nacional. Na visão da Arábia Saudita, a OMC não tem o poder de se impor diante de tal cenário.

“A OMC não é o local para resolver disputas de segurança nacional”, apontaram os diplomatas sauditas, que garantem que respeitam todas as regras de propriedad­e intelectua­l.

Na semana passada, uma reunião foi realizada em Genebra, na Suíça, para lidar com a crise terminou sem um acordo. “Meu governo considera que o rompimento das relações diplomátic­as torna impossível a condução de um processo de solução de disputas”, indicou Riad. Ainda assim, o Catar decidiu colocar o assunto de volta na agenda da OMC, para o dia 18 de dezembro.

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OLYA MORVAN/THE NEW YORK TIMES Obras. Estádio em construção para a Copa de 2022: Fifa evita tomar lado no impasse

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