O Estado de S. Paulo

Erros do tipo Macri e Macron

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Ofuturo ministro da Economia está quieto. Depois das falas polêmicas e de manifestaç­ões que sugeriram conhecimen­to pouco profundo dos desafios fiscais, Paulo Guedes sabiamente se recolheu e reagiu bem aos alertas. Está quieto, mas não inerte. Seus movimentos recentes foram precisos, como na nomeação de Marcelo Guaranys, Rogério Marinho e Leonardo Rolim, que são profission­ais com perfis complement­ares e fazem jus a um título de “time dos sonhos”. Combinou-se conhecimen­to da máquina pública, experiênci­a política e domínio técnico do tema que é prioritári­o, a reforma da Previdênci­a.

Seria importante Guedes conter as falas ambíguas e equivocada­s de Bolsonaro e do núcleo duro que o cerca. A retórica alimenta a percepção de que o presidente eleito não tem suficiente clareza sobre a insustenta­bilidade da Previdênci­a e suas regras injustas. Adquirir esse conhecimen­to será parte de sua missão de defender politicame­nte essa agenda. Caso contrário, será improvável o apoio do Congresso. Na política, as palavras têm peso.

Escolhas precisam ser feitas. Mais complicado ainda é fazê-lo em um ambiente de incertezas. O que é melhor: (1) propor uma reforma ambiciosa que viabilize o cumpriment­o da regra do teto e o ajuste fiscal dos Estados, mas correndo o risco de ter uma tramitação lenta e desgastant­e politicame­nte, ou (2) uma reforma diluída, como sinalizado pelo presidente eleito, com trâmite mais rápido, mas com risco fiscal elevado?

É possível que se opte pelo meio do caminho, fatiando a reforma, separando as matérias constituci­onais das infraconst­itucionais, o que é positivo, e também avançando por etapas nos diferentes regimes de militares, policiais, servidores e setor privado, como proposto por Paulo Tafner e outros especialis­tas. Porém, o risco de o Congresso só aprovar uma ou outra fatia, e não o todo, resultando em uma reforma insuficien­te, precisa ser considerad­o pelos estrategis­tas políticos.

A escolha de Bolsonaro será o primeiro teste de sua convicção sobre a necessidad­e da reforma. A capacidade de diálogo no Congresso, o teste principal. Não temos essas respostas. O ambiente de incertezas, portanto, ainda vai prevalecer por um tempo.

O que Bolsonaro precisa evitar são os erros de Macri e Macron, ambos presidente­s com perfil reformista, eleitos em uma onda de renovação da política e contando com apoio popular. Agora ambos sofrem grande desgaste.

O argentino Mauricio Macri iniciou o mandato corrigindo importante­s distorções na política econômica. No entanto, por contar com uma base estreita de apoio no Congresso – menos de 30% dos parlamenta­res quando iniciou seu mandato em 2016 –, foi forçado a negociar com governador­es e a ceder. O gradualism­o no ajuste fiscal parecia o único caminho possível naquele momento. Nas eleições parlamenta­res de 2017, Macri conseguiu aumentar seu apoio no Congresso e aprovar uma reforma da Previdênci­a aguada. O resultado é o desarranjo do ambiente macroeconô­mico, com inflação acima de 40% e mais um acordo com o FMI.

O francês Emmanuel Macron, impulsiona­do pelas mídias sociais e com apoio no Congresso, conseguiu avançar com seu ímpeto reformista. Agora sofre o desgaste decorrente da percepção da sociedade de que ele protege os mais ricos. A elevação do preço de combustíve­is, decorrente do imposto sobre carbono, penalizou uma classe média que se sente desprestig­iada pelos políticos. Faltou diálogo e o devido cuidado com políticas que mexem diretament­e no bolso dos eleitores. Protestos eclodiram. Macron recuou, mas a insatisfaç­ão persiste, enquanto outras reformas, como da Previdênci­a, ficaram comprometi­das.

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdênci­a. Não pode ser nem muito tímida nem muito desigual. E diálogo é essencial. Grupos que se sentem injustiçad­os podem reagir. O gradualism­o e o tratamento desigual podem ser convenient­es no curto prazo, mas cobram seu preço adiante.

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdênci­a

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