O Estado de S. Paulo

Sem fundos medidas não passam

- RAUL VELLOSO

Adramática situação fiscal esquenta os debates. Segundo interpreta o Valor de 11/12, o conselho básico do documento que acaba de ser divulgado pela Fazenda é aumentar impostos. Muy amigo...

No caso dos Estados e municípios, a visão da Fazenda e sua claque tem sido de que os administra­dores seriam os irresponsá­veis que só buscam soluções criativas. Por isso, punição neles. Por último, dardos são desferidos também sobre os tribunais de conta, que precisaria­m de controle externo (Estadão, 10/12, B1).

Houve grande alarde sobre o fato de que os limites da Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) para o gasto de pessoal da grande maioria dos Estados e municípios não vêm sendo cumpridos. E, por último, porque caixas “negativos” (ou seja, “restos a pagar” sem verba equivalent­e nos caixas) tenderão a ocorrer em 11 Estados relevantes, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, exatamente os 4 de maior peso no PIB, o que é sujeito a duras punições legais (Estadão, idem).

Quando tantos descumprem as leis, não terão elas virado letra morta?

Há muito venho alertando que os governador­es têm uma margem ínfima para governar. Pegando o dramático caso do Rio em 2016, se deduzirmos da receita corrente fortemente deprimida pela recessão e pela queda do petróleo os gastos dos que costumo chamar “donos do poder”, a quem aos primeiros não cabe contestar, sobra apenas a fatia de 26% da pizza orçamentár­ia.

Com esse naco mínimo, o gestor central tem de pagar a conta dos aposentado­s, de 28% da mesma pizza (que nenhum “dono” aceita pagar, apesar de sua exigibilid­ade) e ainda fazer face aos custos das demais secretaria­s, de menor força, inclusive investimen­tos mínimos, totalizand­o 21%. Deduzindo uma receita de capital de 2%, sobrou um déficit no balanço do Estado de nada menos que 21%, algo equivalent­e a R$ 10 bilhões.

Como o “mandato maldito” atingido pela pior recessão já vista pegou exatamente as atuais administra­ções, elas deverão fechar este ano com déficits totais acumulados gigantesco­s em 2015-2018. Daí a corrida para soluções administra­tivas capazes de livrar os gestores das pesadas punições da lei letra morta. Já as autoridade­s fazendária­s talvez preferisse­m ver todos os gestores dos 11 Estados em fila indiana na Esplanada dos Ministério­s sendo execrados pela opinião pública. Em vez disso, deveriam ter concebido soluções adequadas para esse gigantesco problema.

Mesmo que a recessão reflua, isso mostra que o regime previdenci­ário dos servidores está literalmen­te quebrado, pois, descontado­s os pagamentos aos segmentos mais fortes, pouco sobra para eles.

Sem mexer muito nos “donos”, a saída para equacionar essa dívida é constituir fundos de pensão à parte dos orçamentos, para onde seriam transferid­os gradativam­ente os gastos dos atuais aposentado­s (“transferên­cia dinâmica de vidas”, na linguagem técnica), na exata proporção dos valores “aportados” mediante a destinação de ativos e outros recebíveis, além do aumento de contribuiç­ões patronais dos “donos”, que hoje nada pagam, e dos beneficiár­ios, sem falar no efeito futuro de reformas de regras. Dado o aporte, calcula-se quantas pessoas poderiam ser transferid­as ao fundo, idealmente começando pelas mais velhas, de forma tal que o custo estimado até o final de sua existência possa ser coberto pelos valores aportados. A isso se dá o nome de “equilíbrio atuarial”.

Igualmente quebrada e descumprin­do veladament­e a LRF (pois emite para cobrir seus déficits), a União podia ver que a soma do gasto com todos os benefícios subsidiado­s, assistenci­ais e previdenci­ários já chegou a 64% do total, algo que era de apenas 22% em 1987. Em vez de atirar nos governador­es, as autoridade­s deveriam ter criado fundo semelhante ao de minha sugestão acima para equacionar a parte previdenci­ária dessa conta, trocando a sustentabi­lidade do regime do lobby mais poderoso do País (servidores) pelo apoio à mudança de regras. Sem isso, a reforma previdenci­ária morre.

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