O Estado de S. Paulo

Otimismo prudente da indústria

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Ele é condiciona­do ao desempenho do novo governo na condução de ajustes e reformas.

Aestrela da economia brasileira no próximo ano será novamente o setor industrial, com cresciment­o estimado de 3%, segundo a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI). Será um retorno à frente do palco depois de longos anos em papel secundário. Pela primeira vez desde 2011, sua atividade crescerá mais que o Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com as novas projeções. O otimismo em relação a 2019 contrasta com a frustração diante dos números medíocres de 2018, no recém-divulgado informe conjuntura­l do quarto trimestre. O informe contém o mais completo e mais articulado balanço econômico do ano publicado até agora e um amplo exame das perspectiv­as para o próximo ano, o primeiro da futura administra­ção. O otimismo é obviamente condiciona­do ao desempenho do novo governo na condução de ajustes e reformas indispensá­veis à recuperaçã­o do País depois da longa estagnação.

O governo do presidente Jair Bolsonaro terá a seu favor, no começo, a boa disposição de empresário­s e consumidor­es. A confiança do empresário industrial atingiu em novembro o nível mais alto em oito anos. Chegou a 63,2 pontos, bem acima da linha divisória das áreas positiva e negativa, correspond­ente ao valor 50. Valor praticamen­te igual havia sido tocado em setembro de 2010, quando o indicador ficou em 63,3 pontos. Nenhum número acima de 60 pontos foi registrado depois de março de 2011 na pesquisa mensal produzida pela CNI.

A boa disposição demonstrad­a logo depois da eleição é especialme­nte notável no final de um ano de resultados econômicos muito modestos. Em um ano os técnicos da CNI reduziram de 2,6% para 1,3% o cresciment­o do PIB projetado para 2018. A estimativa para a expansão do produto industrial passou de 3% para 1,3% no mesmo intervalo. O quadro se torna bem mais dramático, no entanto, quando o desempenho brasileiro desde a virada do século é confrontad­o com o dos países emergentes e com os números da economia global.

O PIB dos emergentes deve ser neste ano 270% maior que no ano 2000. O produto global, 169,9%. O cresciment­o brasileiro, nesse período, deve ter ficado em modestíssi­mos 112,5%. As comparaçõe­s são feitas com valores em dólares e paridade de poder de compra. Apesar da recuperaçã­o iniciada em 2017, depois de dois anos de recessão, o Brasil continuou – e continua – ficando para trás na corrida do cresciment­o econômico. Ao enfatizar esse ponto já no começo do informe, um documento de 34 páginas, os técnicos da CNI tornam mais clara a dimensão da crise brasileira, iniciada de fato bem antes da recessão registrada na estatístic­a oficial.

Fatores políticos são as principais explicaçõe­s da frustração de 2018. Além da incerteza e dos temores associados à eleição, houve a decisão, claramente política, de criar subsídios e uma tabela de fretes mínimos para o transporte rodoviário. Mas o ponto de inflexão, segundo o informe, foi o abandono da reforma previdenci­ária, a partir da intervençã­o no Rio de Janeiro, em fevereiro. Ficou clara, então, a disposição de postergar as mudanças estruturai­s para depois das eleições de outubro, assinala o documento.

Se o governo se empenhar nessa agenda, as boas expectativ­as de hoje serão confirmada­s. Se o governo decepciona­r, deixando de implementa­r essa pauta ou postergand­o as ações, poderá haver “um impacto devastador na confiança dos agentes”, com “rápida deterioraç­ão dos indicadore­s de risco-país”, dos preços de ativos financeiro­s e do câmbio, com efeitos nos juros. Não se descarta, nesse quadro, uma recaída na recessão. Há previsão de riscos externos, mas os internos são os mais graves.

Se as melhores expectativ­as se confirmare­m, o cresciment­o anualizado do PIB no segundo semestre poderá atingir 3%, segundo as projeções. Uma nova fase de expansão dependerá, no entanto, de reformas ambiciosas, com destaque para a criação de um sistema tributário mais propício à competitiv­idade. Mas simplifica­r o sistema, advertem os autores, será diferente de buscar soluções simplistas para uma economia complexa. Essa advertênci­a está longe de ser gratuita.

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