O Estado de S. Paulo

‘Supremo é muito maior do que a Lava Jato’.

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- Breno Pires Amanda Pupo /

Relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a morte do colega Teori Zavascki, em janeiro de 2017, o ministro Edson Fachin defende regras mais rígidas para evitar a prescrição de processos e dar rapidez na tramitação de ações na Corte. Entre as propostas, está a de permitir que o relator de um caso aceite ou não o recebiment­o de denúncia sem a votação em uma das duas Turmas, compostas por cinco ministros cada, como ocorre hoje. A mudança depende de aval do Congresso. Na visão do ministro, esse pode ser um caminho para rebater críticas de que o STF demora para julgar processos criminais, especialme­nte os da Lava Jato. “O Tribunal é, segurament­e, muito maior do que a Operação Lava Jato”, disse Fachin ao Estado. Em relação a acordos de delação do grupo J&F, que a Procurador­ia-Geral da República (PGR) rescindiu, ele afirmou que a validade das provas não está em jogo no julgamento que será travado no plenário. Elas lastrearam denúncias contra o presidente Michel Temer e outros políticos.

• O sr. acha que será lembrado como o relator da Lava Jato?

O Tribunal é, segurament­e, muito maior do que a Operação Lava Jato. No meu gabinete, ela responde por 20%, 25% dos casos. A Lava Jato deve ter início, meio e fim. O tribunal vai realizar sua função. E eu, sem nenhuma falsa modéstia, acho que estamos cumprindo a função de fazer aquilo que deve ser feito. O que espero, do ponto de vista de legado para quando eu sair, é que tenha contribuíd­o para o Supremo se tornar uma corte constituci­onal.

• O sr. defende menos processos criminais e mais constituci­onais no Supremo?

É preciso discutir se um ministro do Supremo deve dedicarse a debater prioritari­amente as questões de índole constituci­onal ou se somos e continuare­mos a ser a quarta instância revisora de quase todos os procedimen­tos criminais que se iniciam no Brasil. Os demais tribunais – os regionais, os de Justiça e o STJ – são cortes ou tribunais de passagem para chegar ao Supremo? Ou há que se fixar um limite dizendo que nessas matérias a última palavra, por exemplo, é do Superior Tribunal de Justiça?

• Há críticas de lentidão na análise de processos no STF. O que o sr. propõe para dar agilidade?

É preciso abrir espaço para o regimento interno prever possibilid­ades de ajustes e adaptações tecnológic­as. Alguns aspectos precisam ser discutidos nessa seara, como a publicação dos acórdãos, uma sistematiz­ação dos pedidos de vista. E também alterações de médio prazo na legislação infraconst­itucional. Um exemplo controvert­ido – já que alguns ministros têm posição no sentido contrário – é a denúncia no Supremo, dependendo do investigad­o ou do denunciado, ser apreciada pela Turma ou pelo pleno (com os 11 ministros). Isso significa que o relator não tem poderes para deliberar pelo recebiment­o da denúncia.

• O sr. propõe que o relator de um caso julgue o recebiment­o da denúncia sozinho?

Esse é um debate de alteração legislativ­a porque a legislação federal prevê esse recebiment­o do colegiado. Mas qualquer juiz federal no Brasil em qualquer comarca pode, monocratic­amente, receber uma denúncia. Ministro do Supremo não pode. Na ideia segundo a qual não há autoridade com maior ou menor privilégio, todos se submetem ao mesmo patamar. É natural que algumas autoridade­s continuem tendo julgamento colegiado, como o presidente da República.

• Qual seria o efeito dessa modificaçã­o

O Tribunal (STF)é muito maior do que a Operação Lava Jato. No meu gabinete, ela responde por 20%, 25% dos casos. A Lava Jato deve ter início, meio e fim.”

na legislação federal?

Entendo que hoje há uma solenizaçã­o excessiva. E isso não atende nem ao interesse da defesa nem a dos investigad­os ou dos acusados. Nós quase apreciamos três vezes a conduta: ao abrir o inquérito, ao apreciar a denúncia e, se for recebida, ao julgar a ação penal. A rigor, quando há uma imputação tem de se proceder, se for o caso, e o Ministério Público pediu, a investigaç­ão no inquérito, na verdade a coleta de informaçõe­s no inquérito. Se houver indício de materialid­ade e autoria, o MP oferece a denúncia, o juiz dirá se esses indícios estão presentes ou não, faz a instrução penal para que com a maior brevidade possível não fique assim uma espécie de espada de Dâmocles no pescoço, inclusive do réu. É direito de todos. Então, não estou dizendo apenas que isso é importante para o juízo de acusação. É importante para a defesa, afinal, os condenados serão condenados porque a culpa restou provada, e os que não restarem a culpa num prazo razoável, célere, terão a sua absolvição. É disso que se trata, “dessoleniz­ar” esses três momentos para que tenhamos mais julgamento­s definitivo­s.

• O sr. propõe mais alterações?

Cheguei a redigir um anteprojet­o mudando o regime jurídico da prescrição criminal. Apesar de ser um dever constituci­onal, a ampla defesa e o devido processo legal, a forma como está

É preciso discutir se um ministro do STF deve dedicar-se a debater prioritari­amente as questões de índole constituci­onal ou se somos e vamos continuar a ser a quarta instância.”

no Código Penal e no Código de Processo Penal o regime jurídico da prescrição é uma porta aberta à impunidade.

• O futuro ministro da Justiça e ex-juiz, Sérgio Moro, também quer propor mudança em leis. Como ele, o sr. pretende apresentar um pacote?

São essas duas ideias, uma já feita e outras a fazer, e algumas outras que eu vou trabalhar pontualmen­te. Não há pacote, não tenho pretensão de fazer algo nesse sentido, até porque isso não compete a mim como magistrado. Compete a mim, como juiz de uma corte constituci­onal, dar sugestões a partir dos problemas concretos que temos aqui.

• A chegada de Jair Bolsonaro à Presidênci­a e de Moro à Justiça, ambos com discurso contra o crime e de combate à corrupção, favorece alterações legislativ­as?

Proponho alterações de natureza estrutural. Está na Constituiç­ão o prazo razoável da duração de processo. Governos têm projetos conjuntura­is. Se houver evidenteme­nte um ambiente que acolha essa ordem de ideias, tanto melhor, mas eu não me refiro a este ou aquele momento. Essas são mudanças de médio prazo.

• O pedido de rescisão do acordo de executivos da J&F põe em risco o futuro de delações no País?

São 110 colaboraçõ­es que já passaram por mim. Só quatro estão sendo questionad­as.

• Mas nas quatro houve pedido de anulação de provas pelas defesas do presidente Michel Temer e do senador Aécio Neves.

O questionam­ento que estou observando diz respeito à rescisão total ou parcial da colaboraçã­o. Em nenhum momento que pediu a rescisão o Ministério Público tocou na questão das provas. Pelo contrário, o MP diz que, independen­temente do resultado, considera que as provas são válidas.

• Em julgamento no ano passado sobre a delação, alguns ministros do STF falaram sobre possível anulação de provas.

Existe uma coisa que os julgadores dizem nos colegiados, que é o obiter dictum, ou seja, opiniões manifestad­as no curso do julgamento, mas que não há sobre isso nenhum juízo de valor. Nas rescisões que estão comigo, não há menção do autor, MP, qualquer alegação de ilegalidad­e das provas. Vamos discutir o que foi pedido.

O que o julgamento significa para o futuro das delações?

Esse será um momento importante para estabelece­r os limites e possibilid­ades das colaboraçõ­es. Não vejo nenhuma possibilid­ade de ser colocado em risco o instituto da colaboraçã­o premiada. É uma das inovações legislativ­as mais importante­s que o Brasil teve nos últimos tempos. Se há algum tipo de excesso, alguma circunstân­cia, a jurisprudê­ncia certamente colocará limite nisso.

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ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO–25/10/2018 Tribunal. O ministro Edson Fachin afirma que o julgamento dos acordos de delação de executivos do Grupo J&F não coloca em risco validade das provas

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