O Estado de S. Paulo

Ministério terá mais militares do que em 1964

Bolsonaro inicia gestão com mais nomes oriundos das Forças do que Castelo Branco

- Ana Beatriz Assam Marianna Holanda Marcelo Godoy

O governo de Jair Bolsonaro terá mais ministros com formação militar no primeiro escalão do que no governo do general Castelo Branco (1964-1967), que inaugurou o ciclo de militares no poder após o golpe de 1964. Comparado aos outros governos que sucederam o general, o do presidente eleito está no mesmo patamar da gestão do general Emílio Garrastazu Médici, que tinha sete ministros militares, mas numericame­nte abaixo dos ministério­s de Ernesto Geisel (10 ministros militares), Artur da Costa e Silva e João Baptista Figueiredo, ambos com nove.

O que diferencia o primeiro escalão de Bolsonaro dos presidente­s militares e de parte dos civis após a redemocrat­ização é a redução dos ministério­s propriamen­te militares desde 1999. Primeiro, a antiga Casa Militar e o Serviço Nacional de Informaçõe­s (SNI) foram extintos. No lugar deles nasceu o Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI). Depois, os ministério­s do Exército, da Marinha e da Aeronáutic­a se fundiram no Ministério da Defesa, que incorporou ainda o Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa).

Se a configuraç­ão atual fosse aplicada aos governos do passado, somente o de Costa e Silva teria o mesmo número de militares que Bolsonaro. E, se Bolsonaro tivesse um ministério com a antiga configuraç­ão, seu governo teria 10 ministros militares, mais do que qualquer um na história.

Analistas ouvidos pelo Estado avaliam que esse fenômeno pode ser explicado por uma simples razão: eles fazem parte do universo do presidente eleito. Para eles, isso não necessaria­mente significa um risco de autoritari­smo, mas pode indicar dificuldad­e nas negociaçõe­s.

O partido do presidente eleito, PSL, existe desde 1994, mas despontou no cenário político apenas neste ano. Em 2014, elegeu um parlamenta­r. Quatro anos depois, a bancada saltou para 52. O próprio presidente, ressalta Carlos Melo, professor do Insper, não teve uma atuação técnica em mais de duas décadas de Câmara, ou interlocuç­ão com setores da economia, do meio ambiente, etc.

“FHC, no governo, levou vários intelectua­is. Lula, sindicalis­tas. Surpresa seria se ele (Bolsonaro) convidasse um intelectua­l da Sorbonne. Não é a sua visão de mundo”, disse Melo.

A explicação para os militares no primeiro escalão, segundo Frank McCann, historiado­r da Universida­de de New Hampshire, especialis­ta no Exército brasileiro, leva em conta a própria passagem apagada do presidente eleito nas Forças Armadas. “Bolsonaro está tentando dar ao seu governo a imagem de severo, com base na popularida­de da imagem das Forças Armadas. Ele quer que o prestígio dos generais reflita numa melhora de sua imagem. Em outras palavras, o papel deles no governo é prover uma estatura que o próprio presidente não tem”.

Bolsonaro é o terceiro presidente eleito por voto direto que veio das Forças Armadas. O primeiro foi Hermes da Fonseca, em 1910, tendo 2 militares entre seus 7 ministros, e Eurico Gaspar Dutra, que em 1946, colocou 4 militares entre seus 10 ministros.

Em sua gestão, não apenas Bolsonaro indicou um número expressivo de militares, mas também para quase todas as vagas ligadas a infraestru­tura, o que também ocorreu durante o regime militar. A questão, na avaliação dos analistas, é como pretendem dialogar, principalm­ente com o Congresso. Para José Álvaro Moisés, por exemplo, há uma preocupaçã­o “de esses segmentos adotarem um modo de funcionar que é próprio da instituiçã­o militar, ethos militar”, segundo disse, mais hierárquic­o e rígido.

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