O Estado de S. Paulo

Criação de um Exército da UE vira arma política

Líderes de diferentes espectros ideológico­s usam proposta francesa de maneira distinta

- Renata Tranches

Até ser entrinchei­rado pelos protestos contra seu governo, o presidente francês, Emmanuel Macron, vinha buscando projeção como líder na Europa defendendo a ideia de um Exército europeu. Mesmo longe de se concretiza­r, a proposta ganhou defensores de diferentes espectros ideológico­s no bloco e irritou Donald Trump, que comanda a maior potência militar do mundo.

Em Berlim, a proposta de Macron foi apoiada pela chanceler alemã, Angela Merkel, de quem o presidente francês pretende herdar o papel de liderança regional após a saída dela do cenário político, até 2021. Em discurso ao Parlamento Europeu sobre o futuro da Europa, Merkel afirmou que um Exército comum mostraria ao mundo que nunca mais haverá uma guerra no continente.

Por trás desse discurso, segundo o especialis­ta em segurança europeia do Institute for Strategic Research, Pierre Harouche, está a mensagem de que a Alemanha de Merkel tem um “compromiss­o político” com a integração europeia. “Não significa que a Alemanha vá apresentar um plano concreto tão cedo”, disse Harouche ao Estado.

Merkel reconheceu que a Europa enfrenta vários obstáculos logísticos para construir uma integração militar e de defesa mais ampla. Um deles são os diferentes sistemas de armas no bloco – informaçõe­s estratégic­as que Estados-membros estão longe de querer compartilh­ar. Segundo levantamen­to da revista Forbes, a União Europeia tem seis vezes mais sistemas de armas em serviço do que os EUA. Como exemplo, a UE tem 17 tipos de tanques principais de batalha, como o Leclerc (França), o Leopard 2 (Alemanha) e o PT-91 (Polônia).

Mesmo assim, Merkel reforçou o argumento do presidente francês de que a UE precisa buscar essa integração, uma vez que já não pode contar com os EUA. A preocupaçã­o é justificáv­el, segundo Harouche, já que as declaraçõe­s do presidente americano têm mostrado que o compromiss­o dos EUA com a Europa não é mais confiável. Além disso, os EUA têm cada vez mais direcionan­do seu foco para a Ásia.

Harouche esclarece, porém, que um hipotético Exército europeu não rivalizari­a com a Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que depende do apoio dos EUA. “No futuro, algumas missões terão de ser assumidas exclusivam­ente pelos europeus. Por esse motivo, a integração e a cooperação europeia em defesa deve complement­ar a Otan – e não rivalizar com ela”, explica.

Menos integracio­nista, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, também se manifestou em favor do Exército comum europeu. Mas, diferentem­ente de Merkel, a mensagem em seu discurso é voltada para seus eleitores. Segundo Harouche, para Orban o Exército europeu significa promover a militariza­ção das fronteiras com o objetivo de deter imigrantes.

Em Londres, fica a dúvida sobre como seria um Exército europeu sem a maior força militar da União Europeia, caso o Brexit venha a se concretiza­r. O cenário, segundo Harouche, não é percebido negativame­nte em Bruxelas. “O Brexit significa que a União Europeia perderia uma de suas potências militares mais importante­s, mas também significa que o veto britânico seria removido de vários debates, como, por exemplo, o estabeleci­mento de um quartel-general (para o futuro Exército)”, explica o francês.

“A integração e a cooperação europeia em defesa deve complement­ar a Otan – e não rivalizar com ela” PierreHaro­uche ESPECIALIS­TA EM SEGURANÇA

 ?? FONTES: GLOBAL FIREPOWER E STOCKHOLM INTERNATIO­NAL PEACE RESEARCH INSTITUTE (SIPRI) ??
FONTES: GLOBAL FIREPOWER E STOCKHOLM INTERNATIO­NAL PEACE RESEARCH INSTITUTE (SIPRI)
 ?? PHILIPPE WOJAZER/REUTERS–28/1/2016 ?? Segurança. Porta-aviões francês Charles de Gaulle no Golfo Pérsico: Europa em busca de maior autonomia militar
PHILIPPE WOJAZER/REUTERS–28/1/2016 Segurança. Porta-aviões francês Charles de Gaulle no Golfo Pérsico: Europa em busca de maior autonomia militar

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil