EM FESTA PARA CRIANÇAS, CLIMA ERA DE TENSÃO
Tradicional distribuição de presentes, que costumava ser feita pelo religioso, foi discreta
Esperada pela população carente de Abadiânia, a festa de entrega de presentes de Natal tradicionalmente promovida por João de Deus foi feita ontem sob clima de tensão e alegria protocolar. Horas antes de o médium ser considerado foragido da polícia e procurado pela Interpol, sua mulher Ana Keila Teixeira pedia preces para o marido e alegria no coração. “Apesar das turbulências, peço que todos continuem rezando para que a verdade prevaleça”, disse.
Tendas foram montadas em frente da casa de João de Deus, na cidade goiana. Ali foram dispostos brinquedos que atraíram cerca de 200 crianças. Adultos ficaram na fila, aguardando a distribuição de bolas e bonecas para seus filhos.
Em anos anteriores, muitas vezes era o próprio João de Deus que se vestia de Papai Noel e fazia a entrega. Desta vez, ele foi lembrado pela mulher no discurso e também nas camisetas usadas por pessoas da organização. A veste branca trazia um retrato do médium, de braços abertos, com um gorro de Papai Noel, e os dizeres: “Obrigado João de Deus.”
Não havia na festa um número significativo de voluntários que atendem em seu centro. Os “filhos de Abadiânia”, como são conhecidos os habitantes que nasceram e cresceram na cidade, eram a maior parte dos frequentadores. Adultos procuravam ficar em silêncio e fugiam de perguntas sobre a prisão preventiva, num sinal de respeito. A festa, ao contrário do que ocorreu em outros anos, acabou cedo. Às 14h, brinquedos haviam sido desmontados e pouco depois, a rua era lavada.
Dividida.
Abadiânia é dividia pela BR-60. Na parte onde ocorreu a festa, a dos “filhos de Abadiânia”, a expectativa é que as denúncias contra João de Deus não provoquem grande impacto. “Aqui o comércio não depende dele. Não vai ficar nem melhor, nem pior”, disse um morador que não quis se identificar. Depois que as denúncias de abuso sexual vieram à tona, na semana passada, o receio de ser identificado aumentou. A figura de João de Deus provoca não apenas adoração, mas temor – sobretudo entre os mais pobres.
A apreensão é evidente na parte oposta da cidade, onde pousadas e lojas floresceram com o turismo movimentado pela Casa Dom Inácio de Loyola. Anualmente, cerca de 120 mil pessoas visitavam o local em busca de tratamento com o médium. O receio é que o turismo religioso caia e leve junto seus empregos e a renda. Nesta semana, a primeira depois de o escândalo surgir, o movimento já foi abalado. Várias reservas de hotéis foram canceladas e o número de ônibus com fiéis se reduziu.